O PRESBITERIANISMO REFORMADO SEMPRE SE REFOMANDO
Por Rev. Áureo Bispo dos Santos
Apresentarei uma breve história do Presbiterianismo até à sua chegada ao Brasil. Ele pertence a um dos ramos da Reforma Protestante do século XVI.
Os diversos nomes recebidos pelas igrejas que abraçaram a Reforma estão, em alguns casos, ligados aos líderes que iniciaram esse movimento em diferentes países: Luteranismo ( Lutero ) e Calvinismo ( Calvino ). Este reformador, na sua investigação bíblico-teológica, encontrou os fundamentos para a formulação das doutrinas e princípios de fé e ordem que passariam a guiar as igrejas na sua vivência interna e na sua missão no mundo. Na Suíça e noutros países europeus, as igrejas que adotaram as formulações de Calvino foram chamadas Calvinistas ou Reformadas. Já na Escócia, a reforma liderada por João Knox leva a igreja a receber o nome de Presbiteriana. Os puritanos que se estabeleceram nos Estados Unidos da América do Norte se denominaram como presbiterianos. Posteriormente, as missões presbiterianas iniciaram a obra de evangelização noutros países. No Brasil, Ashbel Green Simonton foi o primeiro missionário a aqui chegar em 1859.
Em resumo, quer sejam chamadas presbiterianas ou reformadas, estas igrejas, em diferentes países, têm a mesma fundamentação bíblico-teológica e os mesmos princípios de fé e ordem guiados por um sistema de governo representativo conciliar, isto é, no qual os diversos cargos são escolhidos pela congregação.
Dentre os grandes princípios protestantes reformados, tecerei alguns comentários sobre o da IGREJA REFORMADA SEMPRE SE REFORMANDO (ecclesia reformata semper reformanda). Por que os reformadores formularam este princípio? Ao fazerem as suas reflexões sobre a Bíblia e a História da Igreja Cristã verificaram que o povo de Deus no Antigo Testamento estava sempre passando por um processo constante de decadência e queda. Só o espírito de Javé é que revivia os ossos secos, de acordo com a visão de Ezequiel, capítulo 37. O Novo Testamento descreve que Jesus, ao longo do seu ministério, mostrou, claramente a situação decadente e esclerosada em que se encontravam os líderes do povo de Israel (escribas, fariseus e saduceus). Os apóstolos foram veementes em afirmar que as lideranças judaicas chegaram a tal decadência e desobediência que não só mataram os profetas como também a Jesus Cristo (Atos 2:23 e 7:51-60). A história registra os descaminhos da Igreja Cristã, através de treze (13) séculos da era cristã, principalmente após o edito do imperador Constantino que declarou a Igreja Cristã como religião oficial do Império Romano.
No século XVI, a igreja tinha chegado aos limites extremos de uma organização rica, poderosa, gloriosa, acima dos príncipes, reis e imperadores a quem ela coroava, evidenciando a sua superioridade sobre todos eles. Porém, ao mesmo tempo, tornou-se fossilizada, viciada, com uma estrutura hierárquica esclerosada, apregada às tradições do passado e decadente e morta espiritualmente, pois rejeitou a força do Espírito de Deus, tão bem descrito no grande Inquisidor do genial escritor e romancista russo Dostoievski, a respeito do deplorável estado em que chegou a igreja Cristã. É também neste contexto que Lutero e Calvino deram o grito de alerta para que a Igreja percebesse o seu estado decadente e partisse para uma reforma urgente. Para eles, ou a Igreja se reformava ou morreria. Todavia, ela não só deixou de ouvir o brado de Lutero, mas também resolveu abafar completamente a voz profética deste monge dominicano condenando-o e expulsando-o como herege e, não só ele como também a todos que o acompanhasse, chegando a tal crueldade de criar a “Santa Inquisição”, para exterminar os hereges, seguidores dos reformadores. Para estes, sem a reforma a Igreja poderia ser chamada de Cristã. Mas, de Cristã só tinha o nome. Conhecedores do que aconteceu com o povo de Deus no Velho e no Novo Testamento e, com a Igreja Cristã de seu tempo, chegaram a conclusão de que qualquer Igreja Cristã, está, constantemente sujeita a se tornar decadente e morrer se não se renovar. Daí, chegaram a afirmar que as igrejas que saíram da Igreja Católica Romana poderiam, também atingir à mesma situação a que chegou esta. Então, partiram para formular o princípio da Igreja Reformada Sempre se Reformando. Para eles, é imperativo que a igreja esteja sempre pronta a passar por um processo de reforma na sua caminhada de fé, pois há sempre a tentação muito grande para a instituição abafar a voz do Espírito e o testemunho interno deste mesmo Espírito.
1. A Igreja é santa e pecadora ao mesmo tempo. É uma comunidade de santos(as) e pecadores(as).
O Novo Testamento registra, primeiro que Igreja é uma Nova Humanidade (Ef. 2:11-17); Novo Israel (Gal. 6:15-16); Nova Criação em Cristo salva e santificada por Ele. É uma comunidade viva, dinâmica, corajosa, livre, criativa, pacificadora e amorosa. Mas, em segundo lugar, é pecadora, dissimulada e insensata (Gal. 2:1-14 e 5:15), além de conflituosa e insincera (I Cor. 11:18-19) e, também orgulhosa e vaidosa (Apoc. 3:16-17).
A partir da perspectiva sociológica, a Igreja é uma organização e, como tal, busca sempre manter uma estrutura e formas adequadas a fim de permanecer estável e segura na sociedade, tendendo para uma instituição conservadora. A partir de uma perspectiva bíblica-teológica, é o corpo de Cristo, uma Comunidade de fé e província do Reino de Deus. Estas duas situações levam a Igreja a viver uma constante tensão.
O Novo Testamento descreve, em segundo lugar, esta tensão. Jesus adverte aos discípulos: “orai sem cessar para que não entreis em tentação porque, na verdade o espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mat. 26:41). É no grito existencial de Paulo que se percebe esta situação angustiante e paradoxal de se ser santo e pecador simultaneamente, quando brada: “miserável o homem que eu sou! Quem me livrará deste corpo de morte?” (Rom. 7:27) ou, “o bem que quero fazer não faço, mas o mal que não quero este é o que pratico” (Rom. 8:19).
Diante desta situação de grande perplexidade, vem a resposta do perdão e da misericórdia de Deus, que traz a paz interior: “mas, dou graças a Deus por Jesus Cristo Nosso Senhor. Assim que, eu mesmo com o entendimento sigo a lei de Deus, mas com a carne a lei de pecado” (Rom. 8:25).
2. A Igreja é mantida pelo Espírito Santo.
Só o Espírito equilibra esta situação contraditória e ambivalente da Igreja. É um estado extremamente difícil de ser sustentado, a não ser que haja uma entrega incondicional e submissão nas mãos do Espírito de Deus.
O escritor Daniel Jenkins, no seu livro “Strangness of the Church” (Igreja uma comunidade estranha), descreve esta estranheza da Igreja no fato de que quando ela mostra-se envelhecida e, prestes a morrer, de um momento para outro, muda o aspecto e se torna renovada e rediviva. Na carta de Pastor HERMAS, há uma descrição semelhante. Aqui a Igreja é representada como uma velha de cabelos brancos, rosto enrugado, cambaleante e esquelética. Então, o autor volta a olhar a velha e, como surpresa, percebe que os seus cabelos estão pretos e a face se torna como de uma jovem de dezoito anos, com muito vigor e firmeza. É o Espírito que transforma este estado de decadência em vitalidade e renovação. Como já se mencionou, são os “ossos secos” revivificados, segundo a visão profética de Ezequiel.
3. A Igreja é uma comunidade missionária revolucionária.
Jesus, antes de ascender aos céus, fez uma promessa aos discípulos: “...recebereis o poder do Espírito Santo, que há de vir sobre vós; e ser-me-eis testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia, e Samaria, e até nos confins da terra” (Atos 1:8). No dia de Pentecostes, ele cumpriu a sua promessa quando derramou o Espírito sobre todos que estavam reunidos e os tornou uma comunidade missionária (Atos 2:14-36). O livro de Atos registra a obra extraordinária que o Espírito operou através da Igreja. O Espírito, arrojadamente, conduz a Igreja a ser uma comunidade viva, atuante e radicalmente revolucionária, a ponto de próprios inimigos e perseguidores judeus ficarem perplexos, aterrorizados com o fato de revolução que estes homens e mulheres simples, pescadores, pobres e humildes estarem ocasionando uma revolução chegando a vociferar: “estes que andam revolucionando o mundo inteiro chegaram até aqui” (Atos 17:6). Realmente, a intenção dos judeus era perversa e má. Todavia afirmaram uma grande verdade: A mensagem inspirada pelo Espírito e proclamada pelos discípulos não só converteram milhares de homens e mulheres a Cristo, mas também deixaram os inimigos desbaratados e atônicos, chegando a reconhecer o seu caráter revolucionário quando presenciaram a maravilha que o Espírito realizava por intermédio desta comunidade de fé. Queriam, a qualquer custo exterminar um movimento que estava revolucionando o mundo. Só que não tinham forças para extingui-lo, porque era o próprio Deus que sustentava esta comunidade.
Conclusão:
A identidade da Igreja Presbiteriana tem de estar fundamentada no principio protestante: Igreja Reformada Sempre Se Reformando. Este princípio revela que a igreja deve viver e ser um movimento dinâmico sempre a caminho. Não há lugar para estabilidade e descanso. Mas, para um processo de reforma e renovação constante, radical e transformador.