segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

A MAGIA DO PRESÉPIO DE NATAL



Natal é o nascimento de uma criança, não o ato arrasador de algum poderoso, nem uma descoberta maravilhosa de um cientista, nem a ação piedosa de um santo. Natal escapa, de fato, de toda lógica: o nascimento de uma criança é para fazer acontecer a grande mudança de todas as coisas, é para trazer salvação para toda a humanidade.
(Dietrich Bonhoeffer)


Gosto de presépios!
Levei anos até assumir este gosto. Gosto de presépios. Gosto de ver presépios, gosto de escolher um lugar em minha casa e montar o meu presépio de Natal!
Lembro que, quando era menina no interior da Bahia,  algumas famílias montavam presépios em suas  salas de visitas  e as pessoas entravam só para admirar. A gente que era “crente” passava pela porta, morrendo de curiosidade e vontade de olhar, mas näo podia. As pregações contra o que se considerava uma idolatria eram mais fortes e mais eficazes do que a curiosidade. A representação da família sagrada era considerada uma idolatria intolerável.  Ah, quanta beleza eu deixei de admirar!

Conta a história que Francisco de Assis, no Natal de 1227, em vez de fazer a celebração dentro do templo como era o costume, resolveu fazê-la ao ar livre em uma floresta próxima. Para que as pessoas entendessem melhor o que acontecera no Natal, ele fez uma representação usando um boi, um burro e uma manjedoura. Fico imaginando que, para quem estava ali presente, a representação foi muito mais interessante do que os longos sermöes sobre o nascimento do menino Jesus. Aquele Francisco era um bom pedagogo e, sem dúvida, tinha sensibilidade.

Gosto de montar presépios, mas näo aqueles presépios “estilizados” que cada vez mais encontramos em shoping centers e até em casas particulares, presépios que estao mais para alegorias de desfile de carnaval do que para representar o nascimento do menino Jesus. Gosto daqueles presépios simples que nos conduzem à contemplação e reflexäo, näo ao deslumbramento.  E a cada personagem que vou olhando, vou relembrando fatos e refletindo sobre a vida. O que se encontra no meu presépio?

Os animais do estábulo: o boi, o burro e algumas ovelhas. Penso que eles ficaram um tanto incomodados com aquela súbita invasäo dos seus domínios. Imagina passar a noite, primeiro, com uma mulher gemendo em dores de parto e, depois, com um bebê chorando. Isto definitivamente era algo fora da rotina. Por outro lado, näo foram os animais mais fortes, mais ferozes, mais admirados ou temidos que testemunharam um acontecimento täo importante. Mas os animais mansos e tranquilos, que serviam para o trabalho e o sustento.   

Coloco também alguns pastores, lembrando aquela gente pobre que realizava um trabalho considerado indigno pelas classe abastadas. Fico imaginando sua solidäo, o desconforto de dormir ao relento. Os perigos que enfrentavam para defender o rebanho.  Eram os sem-teto, sem-terra, sem-educacäo, sem-eira-nem-beira da época. Os primeiros que perceberam que o céu brilhava diferente, que no silêncio daquela noite escutaram, ao longe, o choro de uma criança recém-nascida e foram lá ver o que estava acontecendo. Foram os primeiros a receber uma boa notícia naquela noite fria de inverno.

Também coloco a estrela.  Imagino que, para chamar a atenção dos pastores, naquela noite elas brilharam de forma mais intensa do que o normal. Ou seria como outra noite qualquer!? E percebo como na correria do dia a dia eu passo semanas sem olhar para o céu e sem ver o brilho das estrelas que estäo lá sempre com sua beleza a piscar. Será que é para compensar essa falta de estrelas que a gente usa tantos pisca-piscas na época do Natal? Mas as estrelas estäo lá, piscando todas as noites, é de graça, nem precisamos gastar energia para apreciá-las. E os pirilampos? Lembram deles? Será que ainda existem em algum lugar?

Agora é vez da manjedoura, um coxo de madeira somente com um monte de palha somente. É bem aconchegante. Näo é nenhum berco de luxo, mas certamente é bem fofinho, coberto de palha para acolher e aquecer a criança que vai ser colocada nele. É só ter cuidado e colocar uma manta por cima para que as palhas näo piniquem o bebê.

Chegou a vez da figura que representa José. Imagino um homem com as feições cansadas depois de 150 km de caminhada, batendo de porta em porta sem encontrar abrigo porque estava tudo lotado. Com as mäos calejadas pelo ofício de marceneiro. Era hora dessa criança nascer?  Está preocupado com o bebê e com Maria também, o local näo é o mais apropriado, mas foi o que deu para arranjar. E ainda ia ter que enfrentar a longa fila para fazer o cadastramento exigido pelo Império. Pobre sofre!!!

Agora é vez de Maria. Näo é aquela mulher de aparência frágil e de olhar cabisbaixo. A minha Maria é altiva, de cabeça erguida! É verdade que está cansada depois de tanto desconforto, uma viagem no lombo de um burro, já prestes a dar à luz. Depois ainda a peregrinação pelas hospedarias e pela periferia da cidade com José batendo de porta em porta buscando abrigo e ela já com dores de parto. Mas estava tudo täo lotado que só encontraram lugar ali na estrebaria. O lugar e os animais näo a incomodavam, ela é de origem humilde e está acostumada com a dureza da vida. Ela mesma e José fizeram o parto da criança; ainda bem que ele näo deu tanto trabalho para nascer. O que a deixou de coracäo partido foi a falta de solidariedade das pessoas.

Finalmente a figura que representa o menino Jesus. Este está bem faceiro e tranquilo. Quando nasceu chorou como toda crianca faz, foi um berreiro só. Mas agora já foi amamentado e tem uma cama bem macia e quentinha. De vez em quando leva um susto por causa de uns barulhos estranhos. Säo os animais conversando entre si.

Este é o presépio que gosto de montar e contemplar.

Quando morava em Säo Leopoldo, no Rio Grande do Sul, o grupo  ecumênico local (SELEO) promovia anualmente por três dias do mês de dezembro  uma  exposição de presépios. O local escolhido era o templo da Igreja Anglicana, que ficava bem no centro comercial da cidade, em uma das ruas mais movimentadas. Os presépios eram emprestados de colecionadores particulares, de lojas e de qualquer pessoa que quisesse colaborar com o evento. Uma vez chegamos a ter quase 100 presépios de diferentes lugares, materiais e estilos. Organizávamos tudo dentro do saläo principal, com músicas natalinas e, na saída, as pessoas visitantes recebiam uma mensagem de Natal. 
Era interessante observar como muita gente se emocionava diante da cena representada, e muitas pessoas agradeciam por aquele momento de silêncio e reflexäo em meio ao burburinho daquela rua movimentada  onde o Natal era apenas um comércio.

E, agora, quero convidá-lo e convidá-la a montar um presépio de Natal e celebrar o Deus que se fez criança e veio habitar entre nós cheio de humildade. Näo para que nossos olhos contemplem a cena de uma noite feliz, mas para que vislumbrem a  promessa de um  amanhecer cheio de esperança: Porque um menino nos nasceu, e seu nome será Princípe da Paz e da Justiça!

 Revda Sonia Mota

A CORAGEM DE UMA ESCRAVA



Nelson Kilpp *

Nas páginas da Bíblia, nem sempre encontramos retratada a vida como ela deveria ser, mas como ela é de fato. As pessoas não são perfeitas, e seus sentimentos nem sempre são nobres. Elas são muito humanas. Assim como nós. Gênesis 16 narra o conflito entre uma escrava chamada Agar e sua dona, Sara, esposa do conhecido patriarca Abraão. Não sabemos como Agar, que era egípcia, tornou-se escrava e foi parar na casa de Sara e Abraão. Talvez tenha sido capturada por invasores ou vendida pelos próprios pais.
Sara era estéril. Isso lhe causava grande angústia e sofrimento, pois, na época, uma mulher estéril era desprezada pela sociedade. Muitos consideravam a esterilidade uma ausência de bênção, o que era motivo de grande vergonha para uma mulher. Sem filhos, ela também teria dificuldades para enfrentar a velhice.
Por sugestão de Sara, Abraão deveria manter relações com Agar, fazendo dela uma espécie de “barriga de aluguel”. Conforme normas da época, a criança a nascer seria, para todos os fins jurídicos, filho de Sara. Mas com a gravidez de Agar se instala, entre a patroa e a futura mãe biológica, uma competição pela posição de liderança na família de Abraão. A situação torna-se insustentável a ponto de a serva Agar ter que fugir diante das humilhações da patroa.
Mas a fuga não foi uma solução para o problema. Sozinha no deserto, uma grávida não tem como sobreviver. Junto a uma fonte, o anjo de Deus encontra Agar, conversa com ela, ajudando-a a refletir sobre sua real situação: De onde vens e para onde vais, Agar? Então ele a convence a voltar, para que a criança pudesse nascer e viver no círculo protegido de uma família. Por causa da sobrevivência do filho, Agar retorna.
Comparado aos atuais conceitos de liberdade individual, Agar parece ter sido demasiadamente submissa ao retornar à patroa que a humilhara. Mas o texto permanece com os pés no chão: sem um lugar protegido, não haveria, na época, futuro nem para a mãe tampouco para o filho. A volta à casa de Sara também compromete o pai Abraão. Esse havia permanecido, até o momento, numa tranquila indiferença.
Ao deixar que Sara tomasse todas as decisões concernentes a Agar, Abraão aparentemente consegue eximir-se de sua própria responsabilidade. Com o nascimento de um filho seu em sua própria casa, ele, no entanto, é obrigado a assumir os deveres de pai. Portanto o retorno de Agar foi antes um ato de coragem.
Por causa de sua coragem e disposição para olhar de frente os problemas, Agar é tratada com o maior respeito pelo texto bíblico. Deus envia nada menos do que seu anjo para ajudar Agar no deserto. É a primeira vez que um anjo aparece após a cena da expulsão do jardim do Éden. E justamente a uma escrava egípcia.
Agar é a única mulher do Antigo Testamento que recebe a promessa de ter uma grande descendência. De seu filho Ismael (que significa: “Deus ouviu”) descenderá um grande povo. Agar confia nessa promessa. Por isso consegue enfrentar as adversidades. Por fim, o texto também dá a entender que Agar permanece mãe de fato e de direito de seu filho (v. 15-16).


* Especialista em Antigo Testamento, ministro da IECLB. Artigo cedido pelo autor publiaco na revista Novo Olhar n. 43 da Editora Sinodal.,