Para
quem tem mãe e motivos para comemorar, hoje é dia de almoço em conjunto, de
entrega de flores e presentes. Afinal, à exceção do Natal, esta é uma das datas
em que o comércio mais lucra.
Hoje
é dia de mães abraçarem seus filhos e suas filhas e, emocionadas, se esquecerem
dos sofrimentos e das angústias que eles lhes causaram. Tudo é esquecido e
perdoado. As escolas, igrejas e empresas vão fazer festas e promover homenagens
especiais.
Mas,
permitam-me quebrar este quadro tocante para lembrar outras mulheres que também
são mães, mas não têm o que comemorar, porque seus filhos ou suas filhas lhes
foram tirados do colo e da vida. As estatísticas mostram que, cada dia, dezenas
de mulheres enterram um filho ou uma filha. Segundo o Índice de Homicídios na
Adolescência (IHA), 13 adolescentes morrem diariamente por assassinato no
Brasil. De 2006 a
2012, a
quantidade de jovens assassinados superará 33 mil[1]. As
estatísticas são tão alarmantes que a 15ª Assembleia Nacional de Pastorais da
Juventude do Brasil, em 2008, criou a Campanha Nacional contra a Violência e o
Extermínio de Jovens para denunciar o crescimento de jovens mortos em todo o
país e propor ações que possam mudar essa realidade. [2]
Pensando
nestas mães que perderam seus filhos, lembro-me de outra mãe, que também passou
por essa dor. O nome dela? Rispa! A sua
história está narrada em 2 Samuel 21, no Antigo Testamento[3].
Rispa
foi uma das esposas do rei Saul e convivia com as intrigas palacianas. Após a
trágica morte do rei, iniciaram seus dias de angústia. Apesar de não participar
da vida política, ela se tornou vítima dos grandes e poderosos em sua luta pelo
poder. Será que seu nome seria um prenúncio de sua aflição? Afinal, Rispa
significa “pedra quente”, ou seja, a pedra aquecida ao fogo, na qual as
mulheres assavam o pão. Na época do rei Davi, Rispa enfrentaria uma situação
extremamente dolorosa (2 Samuel 21). Era
uma época de estiagem prolongada. Naqueles tempos, era costume atribuir
catástrofes naturais a Deus. Também Davi pensava assim. De alguma forma, ele
descobriu que a causa da estiagem podia estar relacionada a um crime praticado
por Saul contra os habitantes de uma cidade chamada Gibeão. Nada sabemos sobre
esse suposto crime.
Para resolver rapidamente a situação, Davi pergunta aos moradores
de Gibeão como esse mal poderia ser desfeito, de modo que as chuvas voltassem.
Os gibeonitas exigiram, então, a morte de sete descendentes masculinos de Saul.
Davi aceitou a exigência dos gibeonitas e deu-lhes dois filhos e cinco netos de
Saul, que foram executados. Seus corpos foram expostos à execração pública no
alto de uma penha.
Os dois filhos de Rispa estavam entre os executados. O que faria
essa mãe-viúva, cujos filhos eram seu único arrimo e futuro? O texto bíblico
narra o seguinte: “Então, Rispa, filha de Aiá, tomou um pano de saco e o
estendeu sobre a penha e não deixou que as aves do céu se aproximassem deles de
dia, nem os animais do campo de noite, desde o princípio da ceifa até que sobre
eles caiu a água do céu”.
A enorme dor da mãe não consegue dobrá-la; ela não se conforma com
a violência oriunda de divergências políticas. Ela não pergunta se seus filhos
eventualmente têm algo a ver com o mencionado crime de Saul ou não. Isso agora
é secundário. Ela faz algo inesperado: demonstra publicamente, através do luto,
também sua rebeldia contra a injustiça dos poderosos. Ela leva seus trajes de
luto – roupa de saco – para onde estão expostos os filhos mortos e espanta os
animais e os abutres que querem atacar os cadáveres. Pois os cadáveres devem
ficar insepultos, à vista de todos, até que sua morte alcance o objetivo
almejado: o fim da estiagem.
Em sua dor, Rispa não sofre silenciosamente. Através de seu luto
realiza um protesto público, demonstrando sua inconformidade. Com seu gesto de
amor aos filhos e sobrinhos mortos ela consegue comover, sem palavras, os
transeuntes. Com o tempo – o texto dá a entender que podem ter sido até cinco
meses –, até o poderoso rei Davi se convence de que eliminar pessoas inocentes
por razões políticas não é a forma correta de governar.
O protesto de Rispa, silencioso e pacífico, que escancara a
crueldade de uma sociedade que não respeita a pessoa humana, surtiu efeito:
conseguiu mover um grande rei a mudar sua postura política. A “pedra de fogo”
queimou a consciência dos poderosos em seu jogo ensandecido pelo poder. Assim,
outras mães não precisariam passar pela mesma dor e sofrimento.
Peço
licença para prestar uma homenagem a todas as mães que, no dia de hoje, não
comemoram, mas choram pelos seus filhos e filhas mortos pela violência
policial, pela violência do trânsito, pelos grupos de extermínio, pelos
matadores da nossa sociedade. Mulheres como as Mães de Acari, mães da Praça da
Sé, as Mães de Luziânia, que tiveram seus filhos assassinados ou que estão
desaparecidos e que, hoje, não terão como presente um abraço, um botão de rosa
ou um sorriso. Em vez de receber flores, muitas destas mães levarão flores para
a sepultura dos seus filhos e suas filhas, outras continuarão nas praças ou nos
programas de televisão, buscando sem cessar por seus filhos, apegando-se a um
fio de esperança que impede que desanimem.
A
todas as Rispas o nosso respeito e solidariedade pelos filhos que não poderão
abraçar!
Revda
Sônia Mota – pastora da IPU
Pastor
Nelson Kilpp- IECLB
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