sexta-feira, 13 de julho de 2012

Lídia a tintureira


Nas origens da igreja cristã quase sempre se encontram mulheres. Elas estão no sepulcro vazio; elas testemunham a ressurreição de Jesus; elas participam intensamente da vida das primeiras comunidades, embora nem sempre recebam o destaque merecido nos documentos à nossa disposição. Especialmente uma mulher foi decisiva para a expansão da fé e a promoção da vida comunitária nos inícios da igreja.
Trata-se de uma tintureira e vendedora de púrpura, apelidada de Lídia por causa de seu lugar de origem. Essa mulher foi a primeira pessoa do continente europeu a abraçar a fé cristã. O capítulo 16 de Atos dos Apóstolos fala dela.
Lídia morava na cidade de Filipos, na atual Grécia, um importante centro comercial e cultural romano. Ela era proveniente de Tiatira, uma cidade da região da Lídia, na atual Turquia, e migrara para Filipos provavelmente em busca de melhores oportunidades de sobrevivência. Era, portanto, uma das muitas mulheres que saem de sua terra para encontrar meios de vida para si e sua família em outros cantos do mundo. Nada se diz sobre se era casada ou não. Como não se menciona um marido, talvez fosse viúva ou solteira. Nesse caso, ela seria uma dessas pessoas que têm que sustentar sozinhas a família. Atos 16 menciona que ela possuía uma casa. Provavelmente mais pessoas moravam com ela e precisavam ser sustentadas.
Lídia trabalhava com púrpura: fabricava a tinta, tingia e vendia o pano. Era um trabalho pesado e nocivo à saúde. Era uma mulher estrangeira na cidade romana de Filipos, que buscava ganhar sua vida.
Em tudo isso, Lídia não desleixava a sua religiosidade. Ela era “temente a Deus”, ou seja, uma simpatizante da fé judaica. Juntamente com outras mulheres, ela se reunia, aos sábados, num lugar de oração judaico fora da cidade, junto às águas de um córrego (Atos 16.13-15). Aparentemente, nesse lugar de oração predominavam as mulheres. Não sabemos por que não são mencionados homens.
De qualquer forma, o texto bíblico afirma que Lídia “escutava” as palavras dos apóstolos e que “o Senhor lhe abriu o coração para atender as coisas que Paulo dizia” (v. 14). Essa mulher deixou-se batizar juntamente com os outros moradores de sua casa e constrangeu os apóstolos a hospedar-se em sua casa. Assim, sua casa tornou-se o lugar de encontro da primeira comunidade em solo europeu.
Chamam a atenção duas características dessa comerciante: em primeiro lugar, Lídia estava atenta àquilo que os apóstolos lhe diziam e descobriu nisso algo de extrema importância para sua vida. Em segundo lugar, ela partilhava o que tinha com outras pessoas. Ela oferecia, primeiramente, a sua casa como lugar de pousada para os apóstolos iti­ne­ran­tes – também Lídia já fora uma mi­gran­te. Além disso, a casa de Lídia tornou-se o ponto de encontro dos cristãos da cidade e até um esconderijo para cristãos perseguidos pelas autoridades da cidade.
Essa hospitalidade que partilhava o domicílio, o íntimo da vida fami­liar, tornou-se constitutiva para a vida da igreja cristã. O aconchego da casa era oferecido aos visitantes e aos irmãos e às irmãs na fé, tornando-se, assim, um espaço de celebração e culto. A casa de Lídia tornou-se um exemplo de casa aberta para receber irmãos perseguidos e visitantes de fora. A hospitalidade tornou-se, depois disso, uma das mais importantes características da igreja cristã. Além disso, o culto no aconchego do lar tornou-se símbolo da estreita comunhão entre pessoas diferentes, mas iguais no amor de Deus.



(Nelson Kilpp- Pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil- Especialista em Antigo Testamento. Texto cedido pelo autor, publicado na Revista Novo Olhar nº 33 - Editora Sinodal).

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