Nas
origens da igreja cristã quase sempre se encontram mulheres. Elas estão no
sepulcro vazio; elas testemunham a ressurreição de Jesus; elas participam
intensamente da vida das primeiras comunidades, embora nem sempre recebam o
destaque merecido nos documentos à nossa disposição. Especialmente uma mulher
foi decisiva para a expansão da fé e a promoção da vida comunitária nos
inícios da igreja.
Trata-se
de uma tintureira e vendedora de púrpura, apelidada de Lídia por causa de seu
lugar de origem. Essa mulher foi a primeira pessoa do continente europeu a
abraçar a fé cristã. O capítulo 16 de Atos dos Apóstolos fala dela.
Lídia
morava na cidade de Filipos, na atual Grécia, um importante centro comercial
e cultural romano. Ela era proveniente de Tiatira, uma cidade da região da
Lídia, na atual Turquia, e migrara para Filipos provavelmente em busca de
melhores oportunidades de sobrevivência. Era, portanto, uma das muitas
mulheres que saem de sua terra para encontrar meios de vida para si e sua
família em outros cantos do mundo. Nada se diz sobre se era casada ou não.
Como não se menciona um marido, talvez fosse viúva ou solteira. Nesse caso,
ela seria uma dessas pessoas que têm que sustentar sozinhas a família. Atos
16 menciona que ela possuía uma casa. Provavelmente mais pessoas moravam com
ela e precisavam ser sustentadas.
Lídia
trabalhava com púrpura: fabricava a tinta, tingia e vendia o pano. Era um
trabalho pesado e nocivo à saúde. Era uma mulher estrangeira na cidade romana
de Filipos, que buscava ganhar sua vida.
Em tudo
isso, Lídia não desleixava a sua religiosidade. Ela era “temente a Deus”, ou
seja, uma simpatizante da fé judaica. Juntamente com outras mulheres, ela se
reunia, aos sábados, num lugar de oração judaico fora da cidade, junto às
águas de um córrego (Atos 16.13-15). Aparentemente, nesse lugar de oração
predominavam as mulheres. Não sabemos por que não são mencionados homens.
De
qualquer forma, o texto bíblico afirma que Lídia “escutava” as palavras dos
apóstolos e que “o Senhor lhe abriu o coração para atender as coisas que
Paulo dizia” (v. 14). Essa mulher deixou-se batizar juntamente com os outros
moradores de sua casa e constrangeu os apóstolos a hospedar-se em sua casa.
Assim, sua casa tornou-se o lugar de encontro da primeira comunidade em solo
europeu.
Chamam
a atenção duas características dessa comerciante: em primeiro lugar, Lídia
estava atenta àquilo que os apóstolos lhe diziam e descobriu nisso algo de
extrema importância para sua vida. Em segundo lugar, ela partilhava o que
tinha com outras pessoas. Ela oferecia, primeiramente, a sua casa como lugar
de pousada para os apóstolos itinerantes – também Lídia já fora uma migrante.
Além disso, a casa de Lídia tornou-se o ponto de encontro dos cristãos da
cidade e até um esconderijo para cristãos perseguidos pelas autoridades da
cidade.
Essa
hospitalidade que partilhava o domicílio, o íntimo da vida familiar,
tornou-se constitutiva para a vida da igreja cristã. O aconchego da casa era
oferecido aos visitantes e aos irmãos e às irmãs na fé, tornando-se, assim,
um espaço de celebração e culto. A casa de Lídia tornou-se um exemplo de casa
aberta para receber irmãos perseguidos e visitantes de fora. A hospitalidade
tornou-se, depois disso, uma das mais importantes características da igreja
cristã. Além disso, o culto no aconchego do lar tornou-se símbolo da estreita
comunhão entre pessoas diferentes, mas iguais no amor de Deus.
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(Nelson
Kilpp- Pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil-
Especialista em Antigo Testamento. Texto cedido pelo autor, publicado na
Revista Novo Olhar nº 33 - Editora Sinodal).
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