Natal
é o nascimento de uma criança, não o ato arrasador de algum poderoso, nem uma
descoberta maravilhosa de um cientista, nem a ação piedosa de um santo. Natal
escapa, de fato, de toda lógica: o nascimento de uma criança é para fazer
acontecer a grande mudança de todas as coisas, é para trazer salvação para toda
a humanidade.
(Dietrich Bonhoeffer)
Gosto de presépios!
Levei anos até assumir este gosto. Gosto de presépios. Gosto de ver
presépios, gosto de escolher um lugar em minha casa e montar o meu presépio de
Natal!
Lembro que, quando era menina no interior da Bahia, algumas famílias montavam presépios em suas salas de visitas e as pessoas entravam só para admirar. A gente
que era “crente” passava pela porta, morrendo de curiosidade e vontade de olhar,
mas näo podia. As pregações contra o que se considerava uma idolatria eram mais
fortes e mais eficazes do que a curiosidade. A representação da família sagrada
era considerada uma idolatria intolerável.
Ah, quanta beleza eu deixei de admirar!
Conta a história que Francisco de Assis, no Natal de 1227, em vez de
fazer a celebração dentro do templo como era o costume, resolveu fazê-la ao ar
livre em uma floresta próxima. Para que as pessoas entendessem melhor o que
acontecera no Natal, ele fez uma representação usando um boi, um burro e uma
manjedoura. Fico imaginando que, para quem estava ali presente, a representação
foi muito mais interessante do que os longos sermöes sobre o nascimento do
menino Jesus. Aquele Francisco era um bom pedagogo e, sem dúvida, tinha
sensibilidade.
Gosto de montar presépios, mas näo aqueles presépios “estilizados” que
cada vez mais encontramos em shoping centers e até em casas particulares, presépios
que estao mais para alegorias de desfile de carnaval do que para representar o
nascimento do menino Jesus. Gosto daqueles presépios simples que nos conduzem à
contemplação e reflexäo, näo ao deslumbramento. E a cada personagem que vou olhando, vou
relembrando fatos e refletindo sobre a vida. O que se encontra no meu presépio?
Os animais do estábulo: o boi, o
burro e algumas ovelhas. Penso que eles ficaram um tanto incomodados com
aquela súbita invasäo dos seus domínios. Imagina passar a noite, primeiro, com
uma mulher gemendo em dores de parto e, depois, com um bebê chorando. Isto
definitivamente era algo fora da rotina. Por outro lado, näo foram os animais
mais fortes, mais ferozes, mais admirados ou temidos que testemunharam um
acontecimento täo importante. Mas os animais mansos e tranquilos, que serviam para
o trabalho e o sustento.
Coloco também alguns pastores,
lembrando aquela gente pobre que realizava um trabalho considerado indigno
pelas classe abastadas. Fico imaginando sua solidäo, o desconforto de dormir ao
relento. Os perigos que enfrentavam para defender o rebanho. Eram os sem-teto, sem-terra, sem-educacäo,
sem-eira-nem-beira da época. Os primeiros que perceberam que o céu brilhava
diferente, que no silêncio daquela noite escutaram, ao longe, o choro de uma
criança recém-nascida e foram lá ver o que estava acontecendo. Foram os primeiros
a receber uma boa notícia naquela noite fria de inverno.
Também coloco a estrela. Imagino que, para chamar a atenção dos
pastores, naquela noite elas brilharam de forma mais intensa do que o normal.
Ou seria como outra noite qualquer!? E percebo como na correria do dia a dia eu
passo semanas sem olhar para o céu e sem ver o brilho das estrelas que estäo lá
sempre com sua beleza a piscar. Será que é para compensar essa falta de estrelas
que a gente usa tantos pisca-piscas na época do Natal? Mas as estrelas estäo lá,
piscando todas as noites, é de graça, nem precisamos gastar energia para
apreciá-las. E os pirilampos? Lembram deles? Será que ainda existem em algum
lugar?
Agora é vez da manjedoura, um
coxo de madeira somente com um monte de palha somente. É bem aconchegante. Näo
é nenhum berco de luxo, mas certamente é bem fofinho, coberto de palha para
acolher e aquecer a criança que vai ser colocada nele. É só ter cuidado e
colocar uma manta por cima para que as palhas näo piniquem o bebê.
Chegou a vez da figura que representa José. Imagino um homem com as feições cansadas depois de 150 km de caminhada, batendo
de porta em porta sem encontrar abrigo porque estava tudo lotado. Com as mäos
calejadas pelo ofício de marceneiro. Era hora dessa criança nascer? Está preocupado com o bebê e com Maria
também, o local näo é o mais apropriado, mas foi o que deu para arranjar. E
ainda ia ter que enfrentar a longa fila para fazer o cadastramento exigido pelo
Império. Pobre sofre!!!
Agora é vez de Maria. Näo é aquela
mulher de aparência frágil e de olhar cabisbaixo. A minha Maria é altiva, de
cabeça erguida! É verdade que está cansada depois de tanto desconforto, uma
viagem no lombo de um burro, já prestes a dar à luz. Depois ainda a peregrinação
pelas hospedarias e pela periferia da cidade com José batendo de porta em porta
buscando abrigo e ela já com dores de parto. Mas estava tudo täo lotado que só
encontraram lugar ali na estrebaria. O lugar e os animais näo a incomodavam,
ela é de origem humilde e está acostumada com a dureza da vida. Ela mesma e
José fizeram o parto da criança; ainda bem que ele näo deu tanto trabalho para
nascer. O que a deixou de coracäo partido foi a falta de solidariedade das
pessoas.
Finalmente a figura que representa o
menino Jesus. Este está bem faceiro e tranquilo. Quando nasceu chorou como
toda crianca faz, foi um berreiro só. Mas agora já foi amamentado e tem uma
cama bem macia e quentinha. De vez em quando leva um susto por causa de uns
barulhos estranhos. Säo os animais conversando entre si.
Este é o presépio que gosto de montar e contemplar.
Quando morava em
Säo Leopoldo, no Rio Grande do Sul, o grupo ecumênico local (SELEO) promovia anualmente por
três dias do mês de dezembro uma exposição de presépios. O local escolhido era
o templo da Igreja Anglicana, que ficava bem no centro comercial da cidade, em
uma das ruas mais movimentadas. Os presépios eram emprestados de colecionadores
particulares, de lojas e de qualquer pessoa que quisesse colaborar com o
evento. Uma vez chegamos a ter quase 100 presépios de diferentes lugares,
materiais e estilos. Organizávamos tudo dentro do saläo principal, com músicas
natalinas e, na saída, as pessoas visitantes recebiam uma mensagem de Natal.
Era interessante observar como muita gente se emocionava diante da cena
representada, e muitas pessoas agradeciam por aquele momento de silêncio e
reflexäo em meio ao burburinho daquela rua movimentada onde o Natal era apenas um comércio.
E, agora, quero convidá-lo e convidá-la a montar um presépio de Natal e
celebrar o Deus que se fez criança e veio habitar entre nós cheio de humildade.
Näo para que nossos olhos contemplem a cena de uma noite feliz, mas para que
vislumbrem a promessa de um amanhecer cheio de esperança: Porque um menino
nos nasceu, e seu nome será Princípe da Paz e da Justiça!
Revda Sonia Mota