terça-feira, 20 de novembro de 2012

MULHERES: UMA HISTÓRIA DE LUTA

Um olhar para a América Latina

A resistencia das Mariposas

Vocês sabem quem foram às  irmãs Mirabal: Minerva, Pátria e Maria Teresa?

Em tempos de tantas “celebridades” fúteis fabricadas pela mídia, convém relembrar pessoas que realmente fizeram algo ou lutaram por algo de útil e relevante. É o caso das irmãs Mirabal.
As irmãs Mirabal viveram na República Dominicana na época de uma das ditaduras mais cruéis da América Latina, a do ditador Rafael Leonidas Trujillo, que, durante trinta anos (1930 - 1961), manteve o povo dominicano sob um regime de terror.
As três irmãs cresceram na zona rural, no município de Salcedo. Quando Trujillo chegou ao poder, a família delas perdeu a casa e todo o seu dinheiro. As irmãs acreditavam que Trujillo levaria o país ao caos econômico e, então, juntamente com outras pessoas, inclusive seus esposos, formaram um grupo de oposição ao regime, tornando-se conhecidas como Las Mariposas. Esse movimento lutava pelo fim da ditadura, da violência e pela instauracão da democracia. As irmãs foram presas e torturadas várias vezes. Apesar disso, continuaram firmes em seus objetivos.
A participação ativa das irmãs Mirabal na luta contra Trujillo deu-lhes a fama de revolucionárias, motivo suficiente para que, em certa ocasião, Trujillo manifestasse, diante de um grupo de pessoas, que seus únicos problemas eram as irmãs Mirabal e a Igreja.  
No dia 25 de novembro de 1960, Minerva e Maria Teresa foram visitar seus esposos na prisão, em companhia de sua irmã Pátria. No caminho foram interceptadas pelos agentes do Serviço Militar de Inteligência. Conduzidas a um canavial próximo, foram objeto das mais cruéis torturas, antes de se tornarem vítimas do que foi considerado o crime mais horripilante da história dominicana. Cobertas de sangue, destroçadas a golpes, estranguladas, foram colocadas novamente no veículo em que viajavam e jogadas num precipício para simular um acidente. O assassinato das irmãs Mirabal produziu um grande sentimento de dor em todo o país. Porém, serviu para fortalecer o espírito patriótico de um povo desejoso de estabelecer um governo democrático que garantisse o respeito à dignidade humana[1].
No dia 30 de maio de 1961, o ditador Trujillo tombou assasinado; era o fim de uma ditadura de 31 anos.
No Primeiro Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho de 1981, propôs-se a data do assassinato das irmãs Mirabal como Dia Latino-Americano e Caribenho de luta contra a violência à mulher. Em 17 de dezembro de 1999, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou que o dia 25 de novembro seria o Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher, em homenagem ao sacrifício das Mariposas.

Um olhar para  os textos bíblicos
A conquista de um direito[2]
E vocês sabem quem foram Macla, Noa, Hogla, Milca e Tirza? São cinco irmãs que conseguiram mudar a lei de herança no antigo Israel. São as protagonistas da história que se encontra em Números 27.1-11.
As cinco irmãs são solteiras e órfãs. Seu pai, Zelofeade, morrera sem deixar filhos homens. Conforme a lei vigente (Dt 21.15-17), elas não poderiam ser herdeiras, pois tradicionalmente a herança era dividida entre os filhos homens, para garantir a preservação do nome paterno e, assim, a sobrevivência da família. Mas o caso delas era específico. O pai havia morrido sem deixar filhos homens; além disso, as filhas mulheres que tivera permeneceram solteiras. Como resolver a situação? Quem ficaria com a herança?
Aquelas mulheres conheciam bem o que dizia a lei da herança, mas estavam dispostas a lutar para mudá-la e, assim, manter o nome do pai vivo e, naturalmente, garantir a própria sobrevivência. Apesar da situação desesperadora, elas não se intimidaram. Estavam dispostas a enfrentar as diversas instâncias necessárias, mostrando muita coragem e iniciativa.
Assim sendo, colocaram-se à porta da tenda da congregação, ou seja, dirigiram-se à assembléia e à liderança do povo. Contaram a sua história e a história do pai; trouxeram argumentos em favor do direito de seu pai a um lote da terra a ser ocupada pelos israelitas e do direito de ter preservada a memória do pai. À base dessa argumentação reivindicaram o direito de herdar a propriedade imóvel que cabia a seu pai.
Essa reinvindicação implicava uma revisão da legislação em vigor. E foi o que aconteceu. O texto termina com uma mudança da lei vigente. Essa mudança recebeu a sanção de Deus, que reconheceu a argumentação e o direito das mulheres, que foram, então, incluídas na sucessão hereditária (Nm 27.8-11). Claro que nem tudo é perfeito na conquista desse direito: elas recebem a herança sob a condição de se casarem dentro do mesmo clã de seu pai (Nm 36.1-9), a fim de evitar que o patrimônio da família passe a outra tribo. Mas, naquele momento, a coragem das cinco irmãs criou condições para que o direito à herança de propriedade imóvel fosse estendido também às mulheres.

Nas entrelinhas do texto percebemos que, na sociedade em que viviam essas mulheres, havia desigualdade de poder e de direitos entre os gêneros, que se expressava em leis excludentes. Mas foi a coragem de algumas mulheres que criou as condições necessárias para mudar essa situação.

A ameaça de uma viúva
Certamente você conhece a história da viúva que ameaçou dar uma bofetada em um juiz. O episódio encontra-se em Lucas 18.1-8.
Na Bíblia de Jerusalém, essa parábola recebeu o título de: “o juiz iníquo e a viúva importuna”; ela também poderia ter recebido o título de: “a viúva que ameaçou esbofetear o juiz”.
O texto não menciona o nome da mulher; ele apenas afirma que ela era uma viúva – o que, na época, implicava uma vida com muitas precariedades. O texto também revela que a viúva tinha um problema que ela mesma não podia solucionar. Ela precisava de alguém competente para resolver o seu problema. Por isso ela buscou a autoridade competente para a sua causa.
Ao contar a párabola, Jesus não entrou em detalhes e não esclareceu de qual pendência judicial se tratava. Resta-nos, portanto, especular sobre possíveis causas ou reivindicações de uma viúva naquela época. Poderia ter sido[3]:
- uma questã de Kethuba, ou seja, uma soma de dinheiro prescrita no contrato de casamento, à qual ela teria direito em caso de divórcio ou morte do marido;
- um caso da lei do Levirato, conforme a qual um cunhado tinha o dever de casar com ela para garantir filhos ao marido falecido;
- uma quantia de dinheiro devida ao marido falecido, à qual a viúva teria, agora, direito (por exemplo, o valor resultante de hipoteca ou venda de algum bem ou propriedade).
“Faze-me justiça contra meu adversário” é o pedido incansável daquela viúva. Este pedido revela a experiência de muitas viúvas que, em vez de serem protegidas como mandava a lei, tornavam-se vítimas de injustiças sociais.
A postura arrogante do juiz, que näo temia nada nem ninguém, demonstra que ele näo pretendia ajudá-la a buscar seus direitos. Ele desprezava aquela mulher. Mas se ele é arrogante, ela é insistente e näo desiste. Ela näo lhe dá sossego e lhe causa profundo cansaço e fadiga. Numa atitude consciente, aquela viúva busca por seus direitos dando muito trabalho ao juiz. A tradução de Lucas 18.5 (“importunar” ou “aborrecer”) ameniza o termo original, que significa: “golpear no rosto”.  O juiz muda a sua postura porque seria uma vergonha ser golpeado no rosto por uma mulher.  Isto seria um escândalo.
Embora a parábola tenha sido usada por Jesus para exemplificar o relacionamento de Deus com as pessoas que creem, ele näo ignorava a situação de milhares de mulheres da sua época. Essa parábola pode e deve servir para nos inspirar a näo desistirmos dos nossos direitos. A viúva incomoda, ameaça e busca por justiça até conseguir que o seu caso seja julgado. Ela näo assume uma atitude passiva e resignada diante dos obstáculos, mas luta e busca pelo que é justo.

Um olhar para nossa realidade
Na América Latina e no Caribe, a luta das mulheres contra todo tipo de violência a que säo submetidas todos os dias, a sua luta por dignidade de trabalho e contra a miséria ainda continua sendo a agenda principal. 
O relatório da Comissäo Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) intitulado Que tipo de Estado? Que tipo de igualdade? Mostra que as mulheres latno-americanas continuam a enfrentar discriminação no mercado de trabalho, recebendo salários menores do que os homens, tendo carga horária maior em tempo gasto com atividades domésticas não remuneradas. Além disso, as mulheres ocupam a maioria das posições de baixa remuneração e recebem salários inferiores para trabalhos de valor igual.[4]
Também o Mapa da Violência publicado em agosto de 2012 pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBEPELA) e pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO) [5] traz números assutadores. Entre 1980 e 2010, foram assassinadas, no Brasil, mais de 92 mil mulheres, sendo que 43,7 mil só na última década.  Conforme atualizacäo de 2010 realizado pelo Ministério da Saúde, o registro total de homicídios de mulheres passou de 49.992 para 52.260. E isso apesar de alguns avancos conseguidos com da Lei Maria da Penha. 
Em um contexto de 84 países, o Brasil ocupa a sétima posicäo neste ranking de vergonha e violência contra as mulheres, sendo que, dos seis países anteriores, quatro se encontram na América Latina.
A história das mulheres foi e continua sendo uma história de luta. Cada conquista que temos é fruto de muita dor, lágrimas, debates, articulação e trabalho. Para que a lei Maria da Penha fosse aprovada, foi preciso que uma mulher presa a uma cadeira de rodas por causa da violência do marido denunciasse o Brasil na ONU de näo cumprir os acordos internacionais que assinara e que garantiam proteção às mulheres em situação de violência. O Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres ainda está em lento processo de implantacäo em muitos municípios brasileiros que nem sequer contam com uma Coordenadoria da Mulher. Há uma longa estrada a ser percorrida.
Um olhar para a nossa igreja
Você conhece Anas, Vânias, Marias, Celestes, Olgas...? Säo mulheres que estão sentadas nos bancos das nossas igrejas e que podem estar sofrendo violência nã só doméstica, mas também institucional, psicológica, religiosa, etc.
Na minha atuação junto a mulheres vítimas de violência, escutei muitas histórias, enxuguei lágrimas e acolhi mulheres atuantes nas igrejas, inclusive uma esposa de pastor e esposas ou filhas de líderes considerados “acima de qualquer suspeita”, “homens de Deus”. Mulheres que enfrentavam, no seus dia-a-dia, situações de violência dentro dos seus lares, mas precisavam esconder o fato para näo “manchar a honra do marido ou do pai” ou  por vergonha ou por terem aprendido que o que “Deus uniu o homem não separa”.
Por isto defendo que as nossas igrejas participem e se engajem em projetos e programas de prevenção, apoio e denúncia a qualquer tipo de violência contra a mulher. Defendo que a nossa igreja tenha não só uma assessoria, mas uma secretaria para as mulheres porque:
1- O movimento de mulheres, em todo mundo, desempenhou e desempenha um importante papel profético junto às igrejas, no sentido de chamar a atenção para a necessidade e a importância de superar tabus e de denunciar práticas que são incoerentes com o Evangelho.

2- É o movimento de mulheres que  propõe a discussão sobre temas contemporâneos e importantes para as nossas lutas, mesmo dentro das instituições eclesiásticas.

3- Porque precisamos nos fortalecer e fortalecer os nossos espaços de atuação; para isto precisamos de um espaço nosso de reflexão, partilha, cursos, etc.

4- Porque não basta a igreja ordenar mulheres e permitir o exercício do presbiterato e da diaconia para ter resolvidas todas as questões referentes às mulheres no âmbito eclesiástico.

5- É importante para nós a reflexão sobre a nossa participação nas igrejas e na reflexão teológica.

6- Por não termos, nos nossos cursos de Teologia (que eu tenha conhecimento), uma cadeira que contemple a Teologia ou Hermenêutica feministas, precisamos debruçar-nos sobre temas que são imprescindíveis para nós mulheres, já que a pesquisa nessa área nos pode ser de grande ajuda.

7- Quantas igrejas  mantêm algum projeto de atendimento, apoio, prevenção ou denúncia da violência contra a mulher? 

Por tudo isto temos a certeza de que a nossa história de luta continua e, por isso, vamos seguir lutando por nossos direitos sem dar sossego a ninguém, até que eles sejam respeitados!


  
25 de Novembro: Dia Latino-Americano de Combate à Violência Contra a Mulher


[1] Maiores informações sobre as Irmãs Mirabal podem ser encontradas no livro da escritora  Julia Alvares. No tempo das Borboletas. Em 2001, esse livro foi transformado em filme.  Também Mario Garcia Llosa traz essa história em seu livro A Festa do Bode.
[2] O Direito das Filhas à Heranca. www.teologia-assuncao.br
[3] REIMER, Ivoni. O poder de uma protagonista. A oracäo de pessoas excluídas. RIBLA 25 (Pero nosotras decimos).
[4] Relatório do CEPAL. Site Ecodesenvolvimento.
[5] Site www.mapadaviolencia.org.br

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