sábado, 15 de setembro de 2012

MEMÓRIAS DA DÉCADA DE 1960 (continuação - parte III)



III – SOBRE A PALESTRA DE MINHA AUTORIA 

A COMISSÃO ORGANIZADORA NACIONAL da Conferência convidou-me, com antecedência, para proferir uma palestra e deu-me o seguinte TEMA- “CONTEÚDO REVOLUCIONÁRIO DO ENSINO DE JESUS SOBRE O REINO DE DEUS”. Eu me senti muito honrado, e aceitei o convite para falar sobre a contribuição do Novo Testamento dentrodo tema da Conferência, já que antes de mim, falaria o meu ilustre colega e amigo, o biblista, Rev. Joaquim Beato sobre a contribuição do Antigo Testamento, focalizando os Profetas. Quando comecei a estudar o tema que a Comissão escolheu, fiquei tão impressionadocom a atualidade do assunto para a Realidade Brasileira, que sugeri que o tema fosse: “A REVOLUÇÃO DO REINO DE DEUS”-e que ficasse, como subtema: ‘CONTÉUDO REVOLUCIONÁRIO DO ENSINO DE JESUS SOBRE O REINO DE DEUS.” A Comissão concordou, apesar de alguns colegas e irmãos achassem que eu estivesse “radicalizando” ao usar a palavra ‘REVOLUÇÃO’ aplicando-a ao ensino e à ação de Jesus. Ainda hoje, nem todos concordam com a escolha para usar essa palavra. A última sugestão foi  a do teólogo batista, Dr. Jorge Pinheiro,em seu excelente livro “DEUS É BRASILEIRO” publicado em São Paulo,SP, em 2008.Ele sugeriu que eu devia usar a palavra transliterada da língua grega, “KAIRÓS”, em lugar de “Revolução”. Acho que a sugestão dele é boa, mas eu ainda não estou convencido, porque, consultando o texto grego de Atos dos Apóstolos 17. 6, quando relata o que aconteceu na cidade de Tessalônica como resultado da pregação do apóstolo Paulo e seu colaborador Silas, e com a participação de um grupo de novos convertidos, o historiador Lucas usa o verbo grego “ANASTATÓW”, que pode ser traduzido por: “transtornar”, “alvoroçar”, “virar de cabeça para baixo”, “virar pelo avesso”,e, até “revolucionar”. Foi o que aconteceu naquela cidade. Houve um alvoroço teológico, ético e social em Tessalônica relembrado por Paulo no 1º Capítulo de sua 1ª Epístola Aos Tessalonicenses. Também porque gosto muito das palavras  do grande historiador, doutorJ.H.MerleD’Aubigné em seu monumental livro ‘HISTORY OF REFORMATION”, quando declarou: “O Cristianismo e a Reforma são as duas maiores revoluções da História. Elas não foram limitadas a uma nação...mas se estenderam por várias  nações e seus efeitos são destinados a ser sentidos até os confins da terra.  Antes dessa declaração ele explica que usa essa palavra REVOLUÇÃO, referindo-se ao Cristianismo porque “ Uma Revolução  é uma mudança na vida total dos seres humanos. É alguma coisa nova que se desenrola no seio da humanidade...”Assim podemos dizer que o que aconteceu em Tessalônica foi uma Revolução porque, lá os cristãos praticaram um evangelização “REINOCÊNTRICA”  e não “ANIMOCÊNTRICA” porque apresentaram, como João Batista, Jesus e seus discípulos o “BASILEIAÉTERON”,“O OUTRO REI!”para a realidade total da pessoa humana e da sociedade., prescindindo qualquer outro CÉSAR deste mundo. Essa é  a ‘Revolução do Reino de Deus “ que o Brasil precisa. Naquela época, emtodo o Império Romano a religião dominante era o CULTO AO IMPERADORe os cristãos,  em todas as cidades e vilas, eram obrigados a cultuar as imagens do Imperador, e deviamacender o incenso para  adorar a estátua, chamando o Imperador de “DOMINUS, REX ET DEUS!”. Quem rejeitasse a fazer esse gesto religioso era sacrificado, como aconteceu com Policarpo (110 AD), o pastor de Esmirna, na Ásia Menor. Por isso o livro do APOCALIPSE tem uma mensagem atualíssima porque apresentou aos cristãos dos primeiros séculos, que havia um trono na terra, onde estava assentada a BESTA, ou a FERA, (Ap.13) que era CÉSAR, e outro trono onde estava assentado o “CORDEIRO que foi morto e reviveu.(Ap 5.1-13). O cristão está desafiado a escolher entre um e outro. Hoje temos assentado nos tronos da terra,  novos deuses, um deles é chamado: “DEUS DO MERCADO.”


(texto apresentado na ocasião das comemorações dos 50 anos da Conferência do Nordeste, em Vitória - ES, gentilmente cedido pelo Rev. João Dias de Araujo. Memórias que nos inspiram e desafiam...)

As mulheres na IPU: a experiência no PSVD


Mês de setembro é mês de comemoração na IPU.  Faz exatamente 34 anos que um grupo de homens e mulheres, alguns expulsos, outros perseguidos e ainda outros descontentes com a IPB, se uniram para recomeçar. Havia, naquele grupo, a firme vontade de iniciar “uma nova forma de ser igreja”, com outras propostas como: o compromisso ecumênico, o compromisso de se engajar em projetos e iniciativas por uma sociedade justa e o compromisso de que todas as pessoas  teriam igualdade de direitos e participação nas instâncias decisórias da igreja. Inaugurava-se, ali, um novo tempo para as mulheres presbiterianas, pois pela primeira vez elas teriam, de fato e de direito, participação plena em todas as instâncias decisórias da igreja e também ao ministério ordenado.
Neste artigo, gostaria de relembrar a conquista de espaço e a participação das mulheres na IPU, refletir sobre os passos que demos até aqui e, também, quais as conquistas que ainda precisamos alcançar. Quero deixar claro que me reporto, aqui, a alguns depoimentos de mulheres do âmbito do PSVD.
Compartilhando experiências
Quando escrevi a minha dissertação de mestrado e procurei pesquisar sobre a nossa história, fui surpreendida pela ausência das mulheres na historiografia oficial da Igreja Presbiteriana. Este fato era completamente estranho para mim, que fui criada em uma igreja onde as mulheres exerciam liderança e representavam a força de sustentação dos trabalhos.
A experiência que eu havia tido com as mulheres na igreja tornava estranho este silêncio. Foi pela voz de uma mulher que aprendi minha primeira oração e os primeiros cânticos religiosos. Foi também através dos ensinamentos de mulheres que conheci as histórias bíblicas e seus personagens fascinantes. Foi especialmente através do trabalho das mulheres que vi o templo presbiteriano da minha cidade no interior da Bahia ser erguido. Então, onde estava relatada a atuação das mulheres da Igreja? Por que os livros enalteciam o trabalho dos homens e as perseguições que eles sofreram, mas silenciavam as dores, lutas e resistência das mulheres? Por que elas estavam invisíveis?
Mesmo que os estatutos da IPB não permitissem às mulheres o direito de participar nas instâncias decisórias, elas sempre tiveram presença muito forte nas Igrejas. Ensinando na Escola Dominical ou atuando na SAF (Sociedade Auxiliadora Feminina), elas procuravam driblar os documentos normativos que não lhes permitiam acesso a cargos de comando. A elas era atribuída a função de “auxiliadoras”. Mas, a partir deste espaço que lhes era dado, elas se articulavam para se fazer ouvir. Uma liderança feminina de uma das igrejas do Recôncavo Baiano me revelou que, em algumas Igrejas no interior da Bahia, naquela época, muitas mulheres eram formadas em magistério, enquanto os seus esposos eram agricultores. Como não podiam participar das reuniões do Conselho da Igreja, elas ficavam do lado de fora escutando pela janela. Quando havia algum assunto mais difícil a ser resolvido, os esposos saíam da reunião e iam consultá-las. Geralmente acatavam a opinião delas.
“As Auxiliadoras Femininas”   
Enquanto a Igreja Presbiteriana do Brasil destinava às mulheres o papel de “auxiliadoras”, elas sabiam se articular bem e tomar suas próprias decisões. Tinham autonomia e buscavam ocupar seus espaços, cientes do trabalho que realizavam e da força que tinham.  A Presidente da SAF, na Bahia, na época da crise, me deu o seguinte depoimento:
            Recebi uma carta do Supremo Concílio avisando que o Presbitério do Salvador tinha sido dissolvido e que eu deveria me reunir com o Presbitério do Recife. Imediatamente fui até o Colégio Dois de Julho, onde se concentrava um grande número de pastores do nosso presbitério e mostrei a carta. Houve imediatamente uma convocação da mesa do presbitério e da nossa SAF e tomamos a decisão de não acatar a carta do Supremo Concílio...           
Foi resistência completa. Fui destituída do cargo de Presidente, mas nós resolvemos não tomar conhecimento e continuei a realizar todos os trabalhos de maneira normal (...) A SAF recebeu todo o apoio do Presbitério local para continuar seu trabalho. Naquela época, a Federação de Mulheres da Bahia já se reunia juntamente com a reunião da executiva do presbitério, embora não interferíssemos nas reuniões deles. Isto foi um exemplo citado no Congresso Nacional de Mulheres, que aconteceu no Rio de Janeiro. Nos outros presbitérios, a reunião de mulheres era realizada em dias diferentes
[1].
            Foi com esta atitude de quem sabe agir, mesmo não exercendo cargo de liderança dentro da instituição, que as mulheres reagiram quando chegaram as ordens do Supremo Concílio que dissolviam o Presbitério do Salvador, revelando grande disposição para exercer uma oposição ativa.

A força das mulheres nas igrejas locais
Como será que a transição IPB-IPU ocorreu junto às comunidades locais? Não se pode ter a ingenuidade de imaginar que todas as pessoas que participavam nas Igrejas locais soubessem da dimensão da crise que estava ocorrendo dentro da IPB. Algumas pessoas afirmam que “ouviam falar”, mas não tinham uma idéia clara do que estava ocorrendo. Nas rodas de conversa, durante reuniões da Igreja, é fácil comprovar esta afirmação. Alguém disse:
            Aconteceu com a gente o mesmo que aconteceu com o Brasil quando dormimos monarquistas e acordamos republicanos. Assim, também dormimos IPB e acordamos IPU.
Segundo o depoimento prestado por mulheres nas Igrejas do interior da Bahia, a resistência às ordens do Supremo Concílio também foi muito forte. Em junho de 1975, os pastores Josué Mello e Celso Dourado foram depostos do pastorado. Algumas mulheres ficaram sabendo da crise através do pastor local, algumas confessaram que não entendiam direito o que estava acontecendo, mas foram a favor da decisão do Conselho da Igreja em dar apoio aos pastores perseguidos, quando a Assembléia foi consultada.

            Toda a Igreja viu que não havia nenhum motivo para os pastores serem perseguidos. Toda a Igreja apoiou. Ninguém, mas ninguém mesmo teve reação contrária. Não deixou de ficar aquela expectativa: “que é que pode acontecer? Como vai ser depois?”. Mas todos aceitaram e demos total apoio aos pastores. Isso foi imprescindível, pois a gente reconhecia que, como pastores, eles não haviam dado motivo nenhum para serem perseguidos como estavam sendo nem havia motivo para todo aquele problema[2].
            É impossível escrever a história da Igreja sem incluir estes depoimentos e valorizar a participação das mulheres como sujeito histórico e decisivo do processo. Se a decisão foi para a Assembléia da Igreja, não se pode esquecer que elas sempre foram maioria, logo, o voto delas foi decisivo. O Presbitério também declara o não reconhecimento da deposição dos seus pastores, afirmando que os mesmos iriam continuar a exercer as funções pastorais. Muitas Igrejas não acompanharam os antecedentes da crise, mas, ao sentirem seus pastores serem atingidos, foram solidárias com eles.
 
A IPU e o compromisso com as mulheres
Foi no II Encontro do grupo de presbiterianos e presbiterianas que haviam sido expulsos ou que saíram da IPB, ocorrido em Belo Horizonte, em março de 1978, que o embrião de “uma nova forma de ser Igreja”[3] começou a ser gestado. Durante o encontro, uma comissão foi encarregada de estudar e apresentar propostas relativas à questão dos ministérios. Dentre as propostas enviadas pela comissão encarregada e apoiadas pelo plenário, merece destaque a seguinte proposta:
Que o trabalho da mulher na Igreja seja no mesmo nível de outros ministérios, com igual oportunidade de participação no ministério da Palavra, da administração e da diaconia. Que, segundo os exemplos da Igreja na época do Novo Testamento, haja uma fiel mordomia das atividades femininas dentro do contexto de cada comunidade[...][4]

Pela primeira vez, dentro do ramo presbiteriano no Brasil, as mulheres tinham a possibilidade de ser diaconisas, presbíteras e pastoras. Isso era apenas o reconhecimento de um trabalho que as mulheres já vinham realizando de fato.
São as próprias mulheres que contam como foi poder participar de Conselhos das Igrejas e das assembléias nacionais e poder ocupar cargos na estrutura administrativa:
            Na verdade, aqui na Igreja local, nós mulheres já trabalhávamos em tudo, só não participávamos do Conselho. Na hora das decisões eram os homens, mas nós dávamos nossas opiniões. Não tinha aquele machismo, todo mundo participava [...].
            Agora, na IPU, a diferença é grande, muito grande mesmo. Antes a gente só ia na reunião da SAF, apenas como 'auxiliadoras'. Das outras reuniões de decisão do Presbitério só os homens participavam. Agora eu tenho participado das reuniões do Presbitério e das assembléias e posso dar minhas opiniões, sugestões e vejo que estou contribuindo para a Igreja, vejo resultado. Sinto que alguma coisa estou fazendo em benefício da Igreja. Quando, nas reuniões, dividimos em comissões e eu faço parte de alguma, sinto que tenho liberdade de estar junto com os pastores, dou minhas opiniões e eu sei que isto ajuda. Sinto que sou respeitada, ouvida e algumas sugestões minhas são acatadas sempre que é para o bem da Igreja. Isto é bom[5].

            O depoimento revela como, na realidade, as mulheres já sempre opinavam e participavam nas decisões das Igrejas locais, mesmo que os estatutos da IPB tenham reservado um lugar e um espaço bastante reduzido para elas. Percebe-se que a depoente se sente como sujeito atuante na história da Igreja e valorizada por estar participando, junto com os pastores, das discussões da Igreja.
            Algumas mulheres, que não estavam acostumadas a participar destas Assembléias Gerais, estranharam este fato no início, mas logo se acostumaram a participar do poder:

            Olha, eu levei um tempo para me entrosar. Chegava nas reuniões e não entendia nada do que estava se passando, levei um tempo para entender. Mas aos poucos fui me sentindo à vontade. Participo, dou minhas opiniões, quando estou em alguma comissão que sinto dificuldade para entender o assunto, procuro alguém com mais experiência para me explicar. Já tive a honra de ser tesoureira do Presbitério. Hoje não quero perder nenhuma reunião[6].

As mulheres sempre participaram dos espaços internos de suas Igrejas. Agiam como professoras nas classes de escola dominical de crianças, jovens e adolescentes. Integraram a SAF. Agora sentem que estão ocupando outros espaços, onde é possível falar, opinar, discordar. Sentem-se visíveis na estrutura e veem que o que fazem pela Igreja é reconhecido. É impossível falar da história da IPU no PSVD sem lembrar as tantas mulheres que fizeram e ainda fazem a história da nossa igreja, atuando em todos os âmbitos. Evito citar nomes para não cometer a injustiça de esquecer algum. Deixo a cada leitor e leitora a tarefa de puxar no fio da memória e lembrar as mulheres que trabalharam e trabalham ainda hoje na igreja.

As mulheres hoje na IPU
Vimos que a IPU foi a primeira igreja da família presbiteriana a reconhecer a ordenação de mulheres para os diversos ministérios da Igreja: diaconal, presbiterial e pastoral. Imediatamente foram eleitas e ordenadas mulheres diáconas e presbíteras. A primeira pastora da IPU, no entanto, é de origem luterana: Maria Luísa Rückert. Ela se filiou, em 1992, à IPU, tornando-se, posteriormente, vice-moderadora e assumindo, mais tarde, por substituição, a moderação da igreja. Hoje, a IPU conta, em seu quadro, com 101 pessoas exercendo o ministério pastoral ordenado, das quais 16 são mulheres, ou seja, apenas 15,34%. Com exceção do biênio 1993-1995, sempre houve também presença de mulheres no Conselho Coordenador. Já tivemos uma Secretária Executiva, Elinete Wanderlei Paes, e duas moderadoras, Romélia Meyer e, atualmente,  Anita Sue Wright Torres. A ordenação feminina  talvez seja um dos pontos mais pacíficos dentro da IPU. Mas  não basta “dizer” ou “permitir” que as mulheres tenham espaço na Igreja. É necessária uma mudança de postura por parte da Igreja. Ainda há, na IPU, pouco espaço para a discussão das relações de gênero; a teologia e a hermenêutica feministas são quase que desconhecidas, se não olhadas com descaso e preconceito por parte de muitas pessoas. Ao fazermos 34 anos, é preciso avaliar o quanto avançamos e onde precisamos avançar ainda mais. Para as mulheres da IPU, especialmente para as que exercem cargos de liderança e a função pastoral, e para a igreja como um todo trago algumas perguntas para reflexão e autocrítica:
- Em que nós mulheres temos feito a diferença?
- Nos conteúdos das prédicas e nas lições de Escolas Dominicais a IPU tem incluído as reflexões de gênero?
- Que imagem de Deus estamos construindo na nossa comunidade?
-Em nossa reflexão teológica, temos procurado desconstruir conceitos e posicionamentos que inferiorizam as mulheres?
- A IPU tem se colocado contra todo e qualquer discurso que utilize a Bíblia para justificar a opressão da mulher?
- A linguagem inclusiva tem sido usada em seus documentos, liturgias e prédicas?
- Qual tem sido o nosso compromisso nas questões de direitos das mulheres e no combate à violência contra a mulher?
Uma Igreja que deu um passo tão importante há 34 anos deve continuar comprometida com seus princípios fundantes e, além disso, buscar atualizar-se sempre. Por isso, é necessário revisar e atualizar a teologia, quando houver discursos e linguagens patriarcais e sexistas, e acabar com qualquer tipo de violência institucional contra a mulher, não só fora, mas especialmente dentro do âmbito da própria igreja. Isso significa continuar na firme vontade de ser “uma nova forma de ser igreja”. 

Revda. Sônia Mota, 1ª pastora ordenada pela IPU.

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[1] Depoimento da presbítera Lizete Miranda, em julho de 2002.
[2] Entrevista concedida por Ester Mota Lee, presbítera da Igreja Presbiteriana de Governador Mangabeira, em julho de 2002.
[3] Esta expressão se tornaria marca registrada da IPU.
[4] Boletim do II Encontro de Presbiterianos. Belo Horizonte, 24 a 26/03/1978.
[5] Depoimento de Ester Mota Lee, presbítera da Igreja Presbiteriana Unida de Governador Mangabeira, em agosto de 2002.
[6] Depoimento de Adalgisa Mota de Almeida, presbítera da Igreja de Muritiba, em agosto de 2002.

TIAGO - O MAIOR



                                                                                                  Nelson Kilpp*
 

                       
O “caminho de Santiago“ é uma conhecida rota de peregrinação que reproduz o caminho percorrido na Idade Média por inúmeros peregrinos até o famoso santuário de Santiago de Compostela no norte da Espanha. Esse santuário tem uma longa história. Sua origem está vinculada ao discípulo de Jesus chamado Tiago, filho de Zebedeu, irmão de João. Para diferenciá-lo de outro Tiago, filho de Alfeu, ele geralmente é chamado de Tiago, o maior, ou seja, o mais velho.
Tiago era um nome muito conhecido na época de Jesus. Ele próprio tinha um irmão com esse nome. O nome hebraico, na verdade, é “Jacó”, o mesmo do famoso patriarca de Is­rael. Ele foi transformado, nas línguas latinas, em “Iago” e, posteriormente, em “Sant(o)iago”, abreviado para “Tiago”.
Juntamente com seu irmão João, Tiago, o maior, foi um dos primeiros discípulos vocacionados por Jesus. “[Jesus] viu outros dois irmãos, Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, que estavam no barco em companhia de seu pai, consertando as redes, e chamou-os. No mesmo instante, deixando o barco e seu pai, eles o seguiram” (Mateus 4.21s). Tiago e João eram, portanto, assim como Pedro, pescadores galileus.
Não sabemos o que motivou os dois irmãos a abandonar a pescaria no mar da Galileia para seguir Jesus. Em todo caso, estiveram com Jesus desde o início de sua atividade. Por isso, ao lado de Pedro e João, o nosso Tiago sempre teve um lugar de destaque no grupo dos discípulos de Jesus e na vida da comunidade (por exemplo Lucas 8.51). Ele esteve presente nos momentos importantes da vida de Jesus, por exemplo no monte da transfiguração e no jardim do Getsêmani (Mateus 17.1; 26.37).
A vida de Tiago mostra que um discípulo não nasce pronto, mas amadurece através de um longo processo de crescimento. Ainda no início de seu ministério, Jesus dá aos dois irmãos Tiago e João o apelido de “os filhos do trovão”. Esse cognome deve-se, sem dúvida, ao fato de que os irmãos eram um tanto impetuosos e, quem sabe, até briguentos.
Quando esteve com Jesus no monte da transfiguração, Tiago foi um dos que pôde presenciar a glória e o poder que cercavam seu mestre Jesus (Mateus 17.1-8). Mas ele provavelmente entendeu mal esse extraordinário poder dado ao mestre. Como muitos outros, também Tiago pensava que Jesus expulsaria os romanos da Palestina e fundaria um novo reino, em que os discípulos teriam importantes funções de comando.
Mateus 20.20-28 conta que a mãe de Tiago (e João) pede a Jesus que dê a seus filhos um lugar de destaque no futuro reino de Jesus. Quando esse perguntou se os dois irmãos também poderiam “beber o cálice” que ele iria beber, responderam afoitamente: “Podemos”.
O impetuoso, afoito e ambicioso Tiago também esteve presente no Getsêmani momentos antes da prisão de Jesus. Ali, Tiago e seus companheiros mostraram toda a sua fraqueza, adormecendo quando tinham a tarefa de vigiar. Mas todo esse caminho foi necessário para que Tiago aprendesse que Jesus veio trazer o reino do amor e não o reino da violência.
No fim de sua vida, por levar a sério esse novo reino do amor, Tiago sofreu o martírio no ano 43 sob o rei Herodes Agripa: “Por aquele tempo, mandou o rei Herodes prender alguns da igreja para os maltratar, fazendo passar a fio de espada a Tiago, irmão de João” (Atos 12.1s). Clemente de Alexandria acrescenta que ele foi decapitado após ter convertido seu acusador.
De acordo com uma lenda, o cadáver de Tiago foi levado por seus discípulos, num barco sem tripulantes, até o noroeste da Espanha, onde foi sepultado. No século 9, o apóstolo Tiago teria aparecido a um eremita no “campo da estrela” (Compostela), o que levou à construção de um santuário sobre o suposto sepulcro de Tiago, que se tornou o destino da famosa peregrinação.

Nelson kilpp : * Especialista em Antigo Testamento, pastor da IECLB, texto cedido pelo autor, publicado na Revista Novo Olhar Ano 09 nº 40 da Editora Sinodal.  



sexta-feira, 7 de setembro de 2012

MEMÓRIAS DA DÉCADA DE 1960 (parte II)


                                                                                                          rev João Dias de Araújo
II- FATOS DESTA MEMÓRIA:
1-    No início da década, o Presbiterianismo Brasileiro entrava no seu 2° CENTENÁRIO, após ter festejado triunfalmente, o 1º centenário,no dia 12 de agosto de 1959, na Catedral Presbiteriana da Rua Silva Jardim,23, no centro da cidade do Rio de Janeiro, com a presença do Presidente da República, Juscelino Kubitschek. Uma das decisões da IPB, para comemorar o 1°Centenário foi a criação do SPC(Seminário Presbiteriano do Centenário) como uma proposta nova de educação teológica, para a nova Década de 1960,  priorizando a preparação de pastores para atuaremnas áreas rurais e semi-rurais do Brasil. O novo Seminário iniciou suas atividade em Presidente Soares,MG, mas logo depois, foi transferido para Vitória,ES, onde passou a funcionar em 1963, trazendo excelente contribuição àEducação Teológica do Brasil. Seus principais professores de alto nível foram: Joaquim Beato, Richard Shaull, José Borges dos Santos Jr., Esdras Borges Costa, Celso Loula Dourado, Carlos Vagner, Wilson Souza Lopes, Claude Labrunie, J. Guthrie, Alfred Sunderwirth e Eduardo Ramos Coelho. Infelizmente este foi um empreendimentoque começou e terminou na Década de 1960. Por causa da crise que atingia o Brasil e que afetou a IPB.Em 1968 foi fechado o SPC e foram dispensados e expulsos todos os seus professores, alunos e funcionários, causando muitos prejuízos.

2-    Foi a Década da ASTE(Associação de Seminários Teológicos Evangélicos), que com o apoio do CMI(Conselho Mundial de Igrejas), foi fundada em São Paulo, SP em 19/12/1961, sendo o seu primeiro presidente o Rev.  Júlio Andrade Ferreira, reitor do SPS(Seminário Presbiteriano do Sul) e seu primeiro secretário, o Rev. AharonSapsezian, daIgreja Evangélica Armênia do Brasil. Num dos primeiros Simpósios da ASTE, eu tive o privilégio de apresentar uma palestra intitulada: A EDUCAÇÃO TEOLÓGICA E A REALIDADE DA IGREJA CONTEMPORÂNEA NO BRASIL. Era um proposta para a renovação da Educação Teológica nos Seminários Evangélicos no Brasil.

3-    Foi a Década da UNE (União Nacional de Estudantes).Por causa de sua grande atuação, a partir de 1961, quando participou e apoiou a CAMPANHA DA LEGALIDADE, em favor da posse do vice-presidente eleitolegalmente, João Goulart.Diante da renúncia do presidente Jânio Quadros, o vice devia ser empossado, mas os conservadores do Congresso Nacional apoiados pelosgenerais militares, não queriam dar posse. Finalmente o vice foi empossado. A partir do Golpe Militar e durante toda a época do Regime(de 1964 a 1985) a UNE atuou dentro e fora da legalidade, sendo ferozmente reprimida pela DITADURA.
(Fui testemunha de que, entre os estudantes brasileiros estavam os estudantes protestantes de teologia. No Recife vários seminaristas chegaram ao Seminário feridos por baionetas de militares, durante uma grande passeata, antes do AI-5, em 1968.)
4-    Foi a Década das LIGAS CAMPONESAS, que, em 1960 já estavam espalhadas por 13 Estados brasileiros sob a liderança do deputado Francisco Julião.Tinham como lema as seguintes palavras de ordem”: “REFORMA AGRÁRIA NA LEI OU NA MARRA!”Esse  movimento surgiu como resultado das lutas dos trabalhadores rurais do Engenho Galileia, no município de Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata de Pernambuco. As 140 famílias sofriam com as injustiças trabalhistas praticadas  pelo usineiro, dono do Engenho. Os trabalhadorescontrataram o advogado Francisco Julião, do Recife, que travou uma luta emdefesa dos trabalhadores. A repercussão dessa luta foi grande e se espalhou para outros engenhos de açúcar do Estado. Os trabalhadores e foreiros organizaram a primeira Liga Camponesa. Logo surgiram dezenas de Ligas em vários municípios do Estado, em vários Estados vizinhos e em outros Estados da Federação. As Ligas Camponesas transformaram-se em um movimento a favor da Reforma Agrária e pela justiça e proteção dos trabalhadores rurais.Infelizmente esse movimento  durou só quatro anos, na Década de 60, porque, em 1964, o Governo Militar extinguiu as Ligas e seu líder foi exilado.
*(Francisco Julião era advogado e deputado estadual filiado ao PSB(Partido Socialista Brasileiro). Um de seus colegas de bancada era o Deputado Dr. Inaldo Lima, médico que era presbítero da Igreja Presbiteriana da Encruzilha, onde eu era pastor, no Recife. Julião  pediu ao Dr. Inaldo que queria uma ajuda do pastor da Igreja dele, para que indicasse textos da Bíblia que condenavam o latifúndio, e as injustiças contra os trabalhadores do campo, para  ele citar nos seus discursos e palestras para os trabalhadores. Atendi ao pedido e mandei os textos contundentes dos profetas Isaías, Amós, Miquéias e do Apóstolo Tiago. Julião gostou muito e começou a falar, em seus discursos ao povo: “como disse o profeta Isaías...” “.como disse o profeta Miquéias...” assim ia citando textos bíblicos. Mas os militares espiões e os “secretas do Exército” anotavam os nomes que Julião citava, e, no dia seguinte começavam a perguntar: “Quem é esse Isaías?” “Onde ele mora?” “E esse Miquéias?” – “Esses caras estão dizendo coisas pesadas...precisamos encontra-los e denunciá-los!”)
*( Francisco Julião era marxista e não cria em Deus, mas não permitia que os seus  assessores, especialmente intelectuais e estudantes universitários, ao conversarem ou discursarem,  fizessem críticas à Religião e a Deus, nem criticassem os santos da devoção popular, nem deviam   revelar seu ateísmo marxista. Ele dizia: “Nós queremos ajudar esses camponeses. Eles creem Deus.., são religiosos. Não podemos atacar a religião dos camponeses, mas procurar, na religião deles, o que os ajuda a lutar.”
5- Foi a Década do DESPERTAR DAS IGREJAS para a sua Missão Integral dentro da crise brasileira
 A) A ICAR – Igreja Católica Apostólica Romana realizou, nessa década, dois grandes conclaves alertando o seus fiéis para os grandes problemas espirituais, sociais, políticos e econômicos. O primeiro foi O CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, (1962-1965) que teve como um dos objetivos o “aggiornamento”da Igreja e a abertura ecumênica entre outros importantes temas Com a realização desse Concílio foi encerrado o longo período, de quase 400 anos – A CONTRA REFORMA, que se iniciou no Concílio de Trento(1564 ) e terminou em 1962 – Foram convidados representantes das principais Igrejasnão-católicas para participarem do Vaticano II, como observadores.
* O Papa que convocou esse Concílio tambémfoi o autor das Encíclicas:“MateretMagistra”, (1961) e “ Paccem in terris”, (1962)  que tiveram grande repercussão dentro e fora da Igreja. E o outro Papa, seu substituto, Paulo VI,foi o autor de outra grande Encíclica, a “PopulorumPorgressio”,(1967_) que tratou do problema da pobreza e da fome no mundo.
*O segundo conclave foia II Conferência Geral do Episcopado Latino Americano(CELAM), efetuada em Medellin, na Colômbia, no ano de 1968, quando foi feita uma “tradução” e uma adaptaçãodo Concílio Vaticano II, visando sua aplicação na  América  Latina. Falou-se até em preparar “os batizados e levá-los a um compromissopessoal com Cristo e uma entrega à obediência da fé...”
B)Outra Igreja foi a IMB(Igreja Metodista do Brasil) que promulgou, em  julho de 1960, por ocasião do  VIII CONCÍLIO GERAL o seu CREDO SOCIAL no qual apresentou as linhas pastorais e missionárias afirmando que “neste momento histórico por que passa a pátria brasileira, a Igreja Metodista do Brasilreafirma sua posição tradicional, como guardiã das liberdades humanas e da ordem social e econômica, de acordo com os princípios cristãos.”O Credo trata, especialmente da Ordem  Política –Social e Econômica e dos Males Sociais.
C) OS BATISTAS BRASILEIROS também se despertaram através do “MANIFESTO DA ORDEM DOS MINISTROS BATISTAS DO BRASIL”. Sobre esse MANIFESTOescreveu o pastor batista Hélcio da Silva Lessa, um dos signatários: “ como resultado de uma memorável reunião de Pastores realizada na cidade de Vitória, em 1963, ao ensejo da Assembleia Convencional, quando mais de duzentos ministros, inspirados nas referências  que então foram feitas à realidade brasileira, unanimemente, determinaram comunicar à Denominação e ao povo brasileiro a sua preocupação com os problemas nacionais.”O “MANIFESTO” foi assinado pelos nove membros da referida Ordem dos Pastores e termina assim, desafiando a todos os batistas brasileiros:  “E, corajosamente, desfraldemos, em nome do Cristo, a bandeira da redenção total da criatura. Da redenção temporal e eterna do povo brasileiro!”
D) IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL(IPB). Antes da CONFERÊNCIA DO NORDESTE, reuniu-se, em Julho de 1962, o Supremo Concílio da IPB, na sede da Catedral Presbiteriana, na Rua Silva Jardim, 23, no centro do Rio de Janeiro contando com a presença de representantes de presbitérios de todas as regiões do Brasil. Um dos presbitérios, localizado no sertão baiano, o Presbitério de Campo Formoso, (cujo campo castigado pela seca não tinha nada de “formoso”), levou para esse conclave nacionaluma proposta para que aquela assembleia aprovasse e promulgasse um Credo Social que indicasse as diretrizes da Igreja para agir na situação problemática e critica da atual realidade brasileira. Essa proposta foi levada e defendida  por três membros do referido presbitério, os Reverendos Áureo Bispo dos Santos, Celso Loula Dourado e João Dias de Araújo. O plenário aprovou uma Comissão indicada pela Mesa Diretora da Assembléia para redigir, não um “Credo Social”, mas um “Pronunciamento Social”, que era a sugestão do presidente da Assembleia, Rev. José Borges dos Santos Jr. A pessoa mais influente nessa Comissão foi o Rev. Joaquim Beato, de Vitória,ES.  Depois de muitos debates sobre todos os assuntosapresentados pela Comissão, foi aprovado, pelo plenário o PRONUNCIAMENTO SOCIAL que começa explicando: “1) O imperativo que impõe à  Igrejade fazer pronunciamentos sobre questões sociais da atualidade nacional e internacional deriva de sua vocação profética de proclamadora testemunhado Reino e de suae fidelidade à Palavra de Deus. 2) Sua autoridade para pronunciar-se sobre essas questões em dada situação concreta deriva, porém, da disposição com que os cristãos participem, sincera e sacrificialmente, da luta por uma ordem social em que expressem cada vez mais perfeitamente os postulados fundamentais da fé cristãsobre Deus, o homem, a sociedade, o Estado, e os sistemas ideológicos políticos, sociais e econômicos.” Após a instauração do Governo Militar, o “Pronunciamento” foi engavetado. Somente mais tarde, em 1978,a FENIP(Federação Nacional de Igrejas Presbiterianas), que foi o começo da IPU(Igreja Presbiteriana Unida do Brasil),adotou  o mesmo “Pronunciamento”, como um dos seus documentos fundantes.
D)A CEB (CONFEDERAÇÃO EVANGÉLICA DO BRASIL)foi a responsável pelo despertar de 13 Igrejas Evangélicas e 04 Organizações Eclesiásticas quandoabriu a Década de  1960, de 16 a 21 de fevereiro, em São Paulo,SP,  realizando a 3ª REUNIÃO DE ESTUDOS do Setor de Responsabilidade Social da  Igreja, tratando do seguinte tema: “A PRESENÇA DA IGREJA  NA EVOLUÇÃO DA NACIONALIDADE, contando com a presença de 61 participantes. Antes dessa reunião a CEB realizou a 1ª REUNIÃO DE ESTUDOS, em 1955 sobre o tema: “A REESPONSABILIDADE SOCIAL DA IGREJA”;  e em  1957, efetuou a 2ª REUNIÃO DE ESTUDOS, com  o tema: “A IGREJA E AS RÁPIDAS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS DO BRASIL” Essas duas reuniões anteriores, na década de 1950, foram preparatórias para os dois eventos da Década de 1960., especialmente para o clímax desses Estudos que foi a realização da 4ª REUNIÃO DEESTUDOS, ou seja a “CONFERÊNCIA DO NORDESTE, de 22 a 29 de julho de 1962, na cidade do Recife,PE.que tratou tema: “CRISTO E O PROCESSOREVOLUCIONÁRIO BRASILEIRO”.Nessa célebre CONFERÊNCIA travou-se o maior diálogo dos protestantes brasileiros com a cultura do Brasil. Participaram dele: pastores, leigos, biblistas, teólogos, professores , estudantes, sociólogos, antropólogos, economistas, artistas, jornalistas, profissionais liberais e o povo, em geral.

 (texto apresentado na ocasião das comemorações dos 50 anos da Conferência do Nordeste, em Vitória - ES, gentilmente cedido pelo Rev. João Dias. Memórias que nos inspiram e desafiam...)

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

MEMÓRIAS DA DÉCADA DE 60

João Dias de Araújo

I – INTRODUÇÃO.

Para mim, a década de 1960,foi a mais surpreendente deminha vida. Eu que nasci no início da década de 1930. (Ouvindo, em Mato Grosso, o silvo das balas das Colunas Prestes e Siqueira Campos). Costumo recordar e avaliar a minha vida pessoal por décadas. Nos meus 82 anos de vida, experimentei 36 anos de ditadura: (15 anos sob a Ditadura - Vargas e 21 anos sob Regime Militar). Na primeira ditadura sofri, ainda adolescente, quando era “office boy” de meu pai, Rev. Augusto José de Araújo, na Redação do Jornal A PENA EVANGÉLICA, da cidade de Cuiabá, MT que foi censurado pelo poderoso DIP(Departamento de Imprensa e Propaganda), que era o braço da ditadura que atingia os órgãos de comunicação social, principalmente  a imprensa.  Entre as atividades do único jornal evangélico do Estado de Mato Grosso foi uma campanha para acabar com as touradas na Capital. E acabou!Na segunda ditadura sofri muito mais, porque, a partir dos meus trinta e quatro anos, estava mais envolvido com as lutas do povo nordestino, e na Igreja, pois era pastor, professor e deão ,do Seminário Presbiteriano do Norte, no Recife.
A década de 1960foi, paradoxalmente, a década de maior diálogo e, também, de maior repressão da História do Brasil. O diálogo imperava em todo o território brasileiro:  entre empregados e patrões, entre camponeses e coronéis - fazendeiros, entre estudantes e professores,  entre pais de alunos e  diretores de escolas, entre leigos e clérigos, entre eleitores e autoridades eleitas, entre analfabetos e doutores, ente as elites e as plebes, entre socialistas e capitalistas, entre militares fardados e civis paisanos, entre jovens e adultos, entre feministas e machistas...Mas também foi a década de maior repressão para frear os diálogos, pois desagradavam os políticos conservadores, os direitistas que estavam no poder, as cúpulas das Forças Armadas, os profissionais liberais acomodados, as lideranças clericais conservadoras e fundamentalistas, entre teólogos conservadores e teólogos da Teologia da Libertação.O ato mais forte da censura e da repressão foi o ATO INSTITUCIONAL Nº 5,promulgado pelo Governo Militar, em dezembro de 1968. Os outros quatroAtos Institucionais a  partir de 1964, definiram as formas de repressão da Ditadura. O humorista Chico Anísio irritou os militares quando declarou:
”QUEM NÃO TEM CACHORRO CAÇA COM GATO!
                             QUEM NÃO TEM GATO “CASSA” COM ATO!”        
Este clima de diálogos e repressões espalhavam-se por toda a América Latina, radicalizado pelo êxito da Revolução Cubana, em 1959 e pela reação do Governo Norte Americano, no auge do Macarthismo, que fortaleceu a sua interferência através da CIA não só no  Brasil, mas especialmente  na Argentina, no Chile, no Uruguai e em todos os  territórios ao “Sul do Rio Grande”, isto é, do México à  Patagônia.
1.    Em meio a esse clima de diálogos e repressões, reuniram-se, de 22 a 29 de julho de 1962, na cidade do Recife,PE, as lideranças das principais Igrejas Evangélicas do Brasil, convocadas pelo Setor de Responsabilidade Social da Igreja da CEB(Confederação Evangélica do Brasil) para realizarem a  4ª  Reunião de Estudos Sobre  Responsabilidade Social da Igreja, iniciados em 1955, e que agora iam tratar do tema:: CRISTO E O PROCESSO REVOLUCIONÁRIO BRASILEIRO, continuando os estudos da 3ª Reunião,no início da década, em fevereiro de 1960, sobre a PRESENÇA DA IGREJA NA EVOLUÇÃO DA NACIONALIODADE.
As palavras de ordem nessa década eram: “REVOLUÇÃO”, “LATIFÚNDIO”, “REFORMAS DE BASE”,“ALIANÇA PARA O PROGRESSO”, “CRISE”, “DESENVOLVIMENTO”, “DIREITISMO”, “ESQUERDISMO”, “SUBVERSÃO” “SOCIALISMO”, “COMUNISMO”, “CAPITALISMO”, “REFORMA AGRÁRIA NA LEI OU NA MARRA” “ECUMENISMO”, “FUNDAMENTALISMO”, “SEGURANÇA NACIONAL”, “DEMOCRACIA”, “DITADURA”,“REALIDADE BRASILEIRA” e outras. Era uma hora emque as Igrejas deveriam se reunir  para perguntarem, não “o que Marx tem a dizer?”  nem “o que Adam Smith tem a dizer?”, nem “o que as Grandes Potências têm a dizer” mas O QUE CRISTO TEM A DIZER SOBRE O PROCESSO REVOLUCIONÁRIO BRASILEIRO? E foi isso que aconteceu na Conferência do Nordeste

 (texto apresentado na ocasião das comemorações dos 50 anos da Conferência do Nordeste, em Vitória - ES, gentilmente cedido pelo Rev. João Dias. Memórias que nos inspiram e desafiam...Aguardem continuação!)