rev João Dias de Araújo
II-
FATOS DESTA MEMÓRIA:
1- No
início da década, o Presbiterianismo Brasileiro entrava no seu 2° CENTENÁRIO,
após ter festejado triunfalmente, o 1º centenário,no dia 12 de agosto de 1959,
na Catedral Presbiteriana da Rua Silva Jardim,23, no centro da cidade do Rio de
Janeiro, com a presença do Presidente da República, Juscelino Kubitschek. Uma
das decisões da IPB, para comemorar o 1°Centenário foi a criação do SPC(Seminário
Presbiteriano do Centenário) como uma proposta nova de educação teológica, para
a nova Década de 1960, priorizando a
preparação de pastores para atuaremnas áreas rurais e semi-rurais do Brasil. O
novo Seminário iniciou suas atividade em Presidente Soares,MG, mas logo depois,
foi transferido para Vitória,ES, onde passou a funcionar em 1963, trazendo
excelente contribuição àEducação Teológica do Brasil. Seus principais
professores de alto nível foram: Joaquim Beato, Richard Shaull, José Borges dos
Santos Jr., Esdras Borges Costa, Celso Loula Dourado, Carlos Vagner, Wilson
Souza Lopes, Claude Labrunie, J. Guthrie, Alfred Sunderwirth e Eduardo Ramos
Coelho. Infelizmente este foi um empreendimentoque começou e terminou na Década
de 1960. Por causa da crise que atingia o Brasil e que afetou a IPB.Em 1968 foi
fechado o SPC e foram dispensados e expulsos todos os seus professores, alunos
e funcionários, causando muitos prejuízos.
2- Foi a Década da ASTE(Associação de
Seminários Teológicos Evangélicos), que com o apoio do
CMI(Conselho Mundial de Igrejas), foi fundada em São Paulo, SP em 19/12/1961,
sendo o seu primeiro presidente o Rev.
Júlio Andrade Ferreira, reitor do SPS(Seminário Presbiteriano do Sul) e
seu primeiro secretário, o Rev. AharonSapsezian, daIgreja Evangélica Armênia do
Brasil. Num dos primeiros Simpósios da ASTE, eu tive o privilégio de apresentar
uma palestra intitulada: A EDUCAÇÃO TEOLÓGICA E A REALIDADE DA IGREJA
CONTEMPORÂNEA NO BRASIL. Era um proposta para a renovação da Educação Teológica
nos Seminários Evangélicos no Brasil.
3- Foi a Década da UNE (União Nacional de
Estudantes).Por causa de sua grande atuação, a partir de
1961, quando participou e apoiou a CAMPANHA DA LEGALIDADE, em favor da posse do
vice-presidente eleitolegalmente, João Goulart.Diante da renúncia do presidente
Jânio Quadros, o vice devia ser empossado, mas os conservadores do Congresso
Nacional apoiados pelosgenerais militares, não queriam dar posse. Finalmente o
vice foi empossado. A partir do Golpe Militar e durante toda a época do
Regime(de 1964 a 1985) a UNE atuou
dentro e fora da legalidade, sendo ferozmente reprimida pela DITADURA.
(Fui testemunha de que,
entre os estudantes brasileiros estavam os estudantes protestantes de teologia.
No Recife vários seminaristas chegaram ao Seminário feridos por baionetas de
militares, durante uma grande passeata, antes do AI-5, em 1968.)
4- Foi a Década das LIGAS CAMPONESAS,
que, em 1960 já estavam espalhadas por 13 Estados brasileiros sob a liderança
do deputado Francisco Julião.Tinham como lema as seguintes palavras de ordem”:
“REFORMA AGRÁRIA NA LEI OU NA MARRA!”Esse
movimento surgiu como resultado das lutas dos trabalhadores rurais do
Engenho Galileia, no município de Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata de
Pernambuco. As 140 famílias sofriam com as injustiças trabalhistas praticadas pelo usineiro, dono do Engenho. Os
trabalhadorescontrataram o advogado Francisco Julião, do Recife, que travou uma
luta emdefesa dos trabalhadores. A repercussão dessa luta foi grande e se espalhou
para outros engenhos de açúcar do Estado. Os trabalhadores e foreiros
organizaram a primeira Liga Camponesa. Logo surgiram dezenas de Ligas em vários
municípios do Estado, em vários Estados vizinhos e em outros Estados da
Federação. As Ligas Camponesas transformaram-se em um movimento a favor da
Reforma Agrária e pela justiça e proteção dos trabalhadores rurais.Infelizmente
esse movimento durou só quatro anos, na
Década de 60, porque, em 1964, o Governo Militar extinguiu as Ligas e seu líder
foi exilado.
*(Francisco Julião era
advogado e deputado estadual filiado ao PSB(Partido Socialista Brasileiro). Um
de seus colegas de bancada era o Deputado Dr. Inaldo Lima, médico que era
presbítero da Igreja Presbiteriana da Encruzilha, onde eu era pastor, no
Recife. Julião pediu ao Dr. Inaldo que
queria uma ajuda do pastor da Igreja dele, para que indicasse textos da Bíblia
que condenavam o latifúndio, e as injustiças contra os trabalhadores do campo,
para ele citar nos seus discursos e
palestras para os trabalhadores. Atendi ao pedido e mandei os textos
contundentes dos profetas Isaías, Amós, Miquéias e do Apóstolo Tiago. Julião
gostou muito e começou a falar, em seus discursos ao povo: “como disse o
profeta Isaías...” “.como disse o profeta Miquéias...” assim ia citando textos
bíblicos. Mas os militares espiões e os “secretas do Exército” anotavam os
nomes que Julião citava, e, no dia seguinte começavam a perguntar: “Quem é esse
Isaías?” “Onde ele mora?” “E esse Miquéias?” – “Esses caras estão dizendo
coisas pesadas...precisamos encontra-los e denunciá-los!”)
*( Francisco Julião era
marxista e não cria em Deus, mas não permitia que os seus assessores, especialmente intelectuais e
estudantes universitários, ao conversarem ou discursarem, fizessem críticas à Religião e a Deus, nem
criticassem os santos da devoção popular, nem deviam revelar
seu ateísmo marxista. Ele dizia: “Nós queremos ajudar esses camponeses. Eles creem
Deus.., são religiosos. Não podemos atacar a religião dos camponeses, mas
procurar, na religião deles, o que os ajuda a lutar.”
5- Foi a Década do DESPERTAR DAS IGREJAS para a sua Missão Integral
dentro da crise brasileira
A) A
ICAR – Igreja Católica Apostólica Romana realizou, nessa década, dois
grandes conclaves alertando o seus fiéis para os grandes problemas espirituais,
sociais, políticos e econômicos. O primeiro foi O CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO
II, (1962-1965) que teve como um dos objetivos o “aggiornamento”da Igreja e a abertura ecumênica entre outros
importantes temas Com a realização desse Concílio foi encerrado o longo período,
de quase 400 anos – A CONTRA REFORMA, que se iniciou no Concílio de Trento(1564
) e terminou em 1962 – Foram convidados representantes das principais Igrejasnão-católicas
para participarem do Vaticano II, como observadores.
* O Papa que convocou esse
Concílio tambémfoi o autor das Encíclicas:“MateretMagistra”,
(1961) e “ Paccem in terris”, (1962) que tiveram grande repercussão dentro e fora
da Igreja. E o outro Papa, seu substituto, Paulo VI,foi o autor de outra grande
Encíclica, a “PopulorumPorgressio”,(1967_)
que tratou do problema da pobreza e da fome no mundo.
*O
segundo conclave foia II Conferência Geral do Episcopado Latino
Americano(CELAM), efetuada em Medellin, na Colômbia, no ano de 1968, quando foi
feita uma “tradução” e uma adaptaçãodo Concílio Vaticano II, visando sua
aplicação na América Latina. Falou-se até em preparar “os
batizados e levá-los a um compromissopessoal com Cristo e uma entrega à
obediência da fé...”
B)Outra Igreja foi a
IMB(Igreja Metodista do Brasil) que promulgou, em julho de 1960, por ocasião do VIII CONCÍLIO GERAL o seu CREDO SOCIAL no
qual apresentou as linhas pastorais e missionárias afirmando que “neste momento histórico por que passa a
pátria brasileira, a Igreja Metodista do Brasilreafirma sua posição
tradicional, como guardiã das liberdades humanas e da ordem social e econômica,
de acordo com os princípios cristãos.”O Credo trata, especialmente da
Ordem Política –Social e Econômica e dos
Males Sociais.
C) OS BATISTAS BRASILEIROS também se despertaram através do “MANIFESTO
DA ORDEM DOS MINISTROS BATISTAS DO BRASIL”. Sobre esse MANIFESTOescreveu o
pastor batista Hélcio da Silva Lessa, um dos signatários: “ como resultado de uma memorável reunião de
Pastores realizada na cidade de Vitória, em 1963, ao ensejo da Assembleia
Convencional, quando mais de duzentos ministros, inspirados nas
referências que então foram feitas à
realidade brasileira, unanimemente, determinaram comunicar à Denominação e ao
povo brasileiro a sua preocupação com os problemas nacionais.”O “MANIFESTO”
foi assinado pelos nove membros da referida Ordem dos Pastores e termina assim,
desafiando a todos os batistas brasileiros:
“E, corajosamente, desfraldemos,
em nome do Cristo, a bandeira da redenção total da criatura. Da redenção
temporal e eterna do povo brasileiro!”
D) IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL(IPB).
Antes da CONFERÊNCIA DO NORDESTE, reuniu-se, em Julho de 1962, o Supremo
Concílio da IPB, na sede da Catedral Presbiteriana, na Rua Silva Jardim, 23, no
centro do Rio de Janeiro contando com a presença de representantes de
presbitérios de todas as regiões do Brasil. Um dos presbitérios, localizado no
sertão baiano, o Presbitério de Campo Formoso, (cujo campo castigado pela seca
não tinha nada de “formoso”), levou para esse conclave nacionaluma proposta
para que aquela assembleia aprovasse e promulgasse um Credo Social que
indicasse as diretrizes da Igreja para agir na situação problemática e critica
da atual realidade brasileira. Essa proposta foi levada e defendida por três membros do referido presbitério, os
Reverendos Áureo Bispo dos Santos, Celso Loula Dourado e João Dias de Araújo. O
plenário aprovou uma Comissão indicada pela Mesa Diretora da Assembléia para
redigir, não um “Credo Social”, mas um “Pronunciamento Social”, que era a
sugestão do presidente da Assembleia, Rev. José Borges dos Santos Jr. A pessoa
mais influente nessa Comissão foi o Rev. Joaquim Beato, de Vitória,ES. Depois de muitos debates sobre todos os
assuntosapresentados pela Comissão, foi aprovado, pelo plenário o
PRONUNCIAMENTO SOCIAL que começa explicando: “1) O imperativo que impõe à Igrejade
fazer pronunciamentos sobre questões sociais da atualidade nacional e
internacional deriva de sua vocação profética de proclamadora testemunhado
Reino e de suae fidelidade à Palavra de Deus. 2) Sua autoridade para
pronunciar-se sobre essas questões em dada situação concreta deriva, porém, da
disposição com que os cristãos participem, sincera e sacrificialmente, da luta
por uma ordem social em que expressem cada vez mais perfeitamente os postulados
fundamentais da fé cristãsobre Deus, o homem, a sociedade, o Estado, e os
sistemas ideológicos políticos, sociais e econômicos.” Após a instauração
do Governo Militar, o “Pronunciamento” foi engavetado. Somente mais tarde, em
1978,a FENIP(Federação Nacional de Igrejas Presbiterianas), que foi o começo da
IPU(Igreja Presbiteriana Unida do Brasil),adotou o mesmo “Pronunciamento”, como um dos seus
documentos fundantes.
D)A CEB (CONFEDERAÇÃO EVANGÉLICA DO BRASIL)foi a responsável pelo
despertar de 13 Igrejas Evangélicas e 04 Organizações Eclesiásticas quandoabriu
a Década de 1960, de 16 a 21 de
fevereiro, em São Paulo,SP, realizando a
3ª REUNIÃO DE ESTUDOS do Setor de
Responsabilidade Social da Igreja,
tratando do seguinte tema: “A PRESENÇA DA IGREJA NA EVOLUÇÃO DA NACIONALIDADE, contando com a
presença de 61 participantes. Antes dessa reunião a CEB realizou a 1ª REUNIÃO
DE ESTUDOS, em 1955 sobre o tema: “A REESPONSABILIDADE SOCIAL DA IGREJA”; e em
1957, efetuou a 2ª REUNIÃO DE ESTUDOS, com o tema:
“A IGREJA E AS RÁPIDAS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS DO BRASIL” Essas duas
reuniões anteriores, na década de 1950, foram preparatórias para os dois
eventos da Década de 1960., especialmente para o clímax desses Estudos que foi
a realização da 4ª REUNIÃO DEESTUDOS, ou seja a “CONFERÊNCIA DO NORDESTE, de 22 a 29 de julho de 1962, na cidade do
Recife,PE.que tratou tema: “CRISTO E O
PROCESSOREVOLUCIONÁRIO BRASILEIRO”.Nessa célebre CONFERÊNCIA travou-se o
maior diálogo dos protestantes brasileiros com a cultura do Brasil.
Participaram dele: pastores, leigos, biblistas, teólogos, professores ,
estudantes, sociólogos, antropólogos, economistas, artistas, jornalistas,
profissionais liberais e o povo, em geral.
(texto apresentado na ocasião das comemorações dos 50 anos da Conferência do Nordeste, em Vitória - ES, gentilmente cedido pelo Rev. João Dias. Memórias que nos inspiram e desafiam...)
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