sexta-feira, 7 de setembro de 2012

MEMÓRIAS DA DÉCADA DE 1960 (parte II)


                                                                                                          rev João Dias de Araújo
II- FATOS DESTA MEMÓRIA:
1-    No início da década, o Presbiterianismo Brasileiro entrava no seu 2° CENTENÁRIO, após ter festejado triunfalmente, o 1º centenário,no dia 12 de agosto de 1959, na Catedral Presbiteriana da Rua Silva Jardim,23, no centro da cidade do Rio de Janeiro, com a presença do Presidente da República, Juscelino Kubitschek. Uma das decisões da IPB, para comemorar o 1°Centenário foi a criação do SPC(Seminário Presbiteriano do Centenário) como uma proposta nova de educação teológica, para a nova Década de 1960,  priorizando a preparação de pastores para atuaremnas áreas rurais e semi-rurais do Brasil. O novo Seminário iniciou suas atividade em Presidente Soares,MG, mas logo depois, foi transferido para Vitória,ES, onde passou a funcionar em 1963, trazendo excelente contribuição àEducação Teológica do Brasil. Seus principais professores de alto nível foram: Joaquim Beato, Richard Shaull, José Borges dos Santos Jr., Esdras Borges Costa, Celso Loula Dourado, Carlos Vagner, Wilson Souza Lopes, Claude Labrunie, J. Guthrie, Alfred Sunderwirth e Eduardo Ramos Coelho. Infelizmente este foi um empreendimentoque começou e terminou na Década de 1960. Por causa da crise que atingia o Brasil e que afetou a IPB.Em 1968 foi fechado o SPC e foram dispensados e expulsos todos os seus professores, alunos e funcionários, causando muitos prejuízos.

2-    Foi a Década da ASTE(Associação de Seminários Teológicos Evangélicos), que com o apoio do CMI(Conselho Mundial de Igrejas), foi fundada em São Paulo, SP em 19/12/1961, sendo o seu primeiro presidente o Rev.  Júlio Andrade Ferreira, reitor do SPS(Seminário Presbiteriano do Sul) e seu primeiro secretário, o Rev. AharonSapsezian, daIgreja Evangélica Armênia do Brasil. Num dos primeiros Simpósios da ASTE, eu tive o privilégio de apresentar uma palestra intitulada: A EDUCAÇÃO TEOLÓGICA E A REALIDADE DA IGREJA CONTEMPORÂNEA NO BRASIL. Era um proposta para a renovação da Educação Teológica nos Seminários Evangélicos no Brasil.

3-    Foi a Década da UNE (União Nacional de Estudantes).Por causa de sua grande atuação, a partir de 1961, quando participou e apoiou a CAMPANHA DA LEGALIDADE, em favor da posse do vice-presidente eleitolegalmente, João Goulart.Diante da renúncia do presidente Jânio Quadros, o vice devia ser empossado, mas os conservadores do Congresso Nacional apoiados pelosgenerais militares, não queriam dar posse. Finalmente o vice foi empossado. A partir do Golpe Militar e durante toda a época do Regime(de 1964 a 1985) a UNE atuou dentro e fora da legalidade, sendo ferozmente reprimida pela DITADURA.
(Fui testemunha de que, entre os estudantes brasileiros estavam os estudantes protestantes de teologia. No Recife vários seminaristas chegaram ao Seminário feridos por baionetas de militares, durante uma grande passeata, antes do AI-5, em 1968.)
4-    Foi a Década das LIGAS CAMPONESAS, que, em 1960 já estavam espalhadas por 13 Estados brasileiros sob a liderança do deputado Francisco Julião.Tinham como lema as seguintes palavras de ordem”: “REFORMA AGRÁRIA NA LEI OU NA MARRA!”Esse  movimento surgiu como resultado das lutas dos trabalhadores rurais do Engenho Galileia, no município de Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata de Pernambuco. As 140 famílias sofriam com as injustiças trabalhistas praticadas  pelo usineiro, dono do Engenho. Os trabalhadorescontrataram o advogado Francisco Julião, do Recife, que travou uma luta emdefesa dos trabalhadores. A repercussão dessa luta foi grande e se espalhou para outros engenhos de açúcar do Estado. Os trabalhadores e foreiros organizaram a primeira Liga Camponesa. Logo surgiram dezenas de Ligas em vários municípios do Estado, em vários Estados vizinhos e em outros Estados da Federação. As Ligas Camponesas transformaram-se em um movimento a favor da Reforma Agrária e pela justiça e proteção dos trabalhadores rurais.Infelizmente esse movimento  durou só quatro anos, na Década de 60, porque, em 1964, o Governo Militar extinguiu as Ligas e seu líder foi exilado.
*(Francisco Julião era advogado e deputado estadual filiado ao PSB(Partido Socialista Brasileiro). Um de seus colegas de bancada era o Deputado Dr. Inaldo Lima, médico que era presbítero da Igreja Presbiteriana da Encruzilha, onde eu era pastor, no Recife. Julião  pediu ao Dr. Inaldo que queria uma ajuda do pastor da Igreja dele, para que indicasse textos da Bíblia que condenavam o latifúndio, e as injustiças contra os trabalhadores do campo, para  ele citar nos seus discursos e palestras para os trabalhadores. Atendi ao pedido e mandei os textos contundentes dos profetas Isaías, Amós, Miquéias e do Apóstolo Tiago. Julião gostou muito e começou a falar, em seus discursos ao povo: “como disse o profeta Isaías...” “.como disse o profeta Miquéias...” assim ia citando textos bíblicos. Mas os militares espiões e os “secretas do Exército” anotavam os nomes que Julião citava, e, no dia seguinte começavam a perguntar: “Quem é esse Isaías?” “Onde ele mora?” “E esse Miquéias?” – “Esses caras estão dizendo coisas pesadas...precisamos encontra-los e denunciá-los!”)
*( Francisco Julião era marxista e não cria em Deus, mas não permitia que os seus  assessores, especialmente intelectuais e estudantes universitários, ao conversarem ou discursarem,  fizessem críticas à Religião e a Deus, nem criticassem os santos da devoção popular, nem deviam   revelar seu ateísmo marxista. Ele dizia: “Nós queremos ajudar esses camponeses. Eles creem Deus.., são religiosos. Não podemos atacar a religião dos camponeses, mas procurar, na religião deles, o que os ajuda a lutar.”
5- Foi a Década do DESPERTAR DAS IGREJAS para a sua Missão Integral dentro da crise brasileira
 A) A ICAR – Igreja Católica Apostólica Romana realizou, nessa década, dois grandes conclaves alertando o seus fiéis para os grandes problemas espirituais, sociais, políticos e econômicos. O primeiro foi O CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, (1962-1965) que teve como um dos objetivos o “aggiornamento”da Igreja e a abertura ecumênica entre outros importantes temas Com a realização desse Concílio foi encerrado o longo período, de quase 400 anos – A CONTRA REFORMA, que se iniciou no Concílio de Trento(1564 ) e terminou em 1962 – Foram convidados representantes das principais Igrejasnão-católicas para participarem do Vaticano II, como observadores.
* O Papa que convocou esse Concílio tambémfoi o autor das Encíclicas:“MateretMagistra”, (1961) e “ Paccem in terris”, (1962)  que tiveram grande repercussão dentro e fora da Igreja. E o outro Papa, seu substituto, Paulo VI,foi o autor de outra grande Encíclica, a “PopulorumPorgressio”,(1967_) que tratou do problema da pobreza e da fome no mundo.
*O segundo conclave foia II Conferência Geral do Episcopado Latino Americano(CELAM), efetuada em Medellin, na Colômbia, no ano de 1968, quando foi feita uma “tradução” e uma adaptaçãodo Concílio Vaticano II, visando sua aplicação na  América  Latina. Falou-se até em preparar “os batizados e levá-los a um compromissopessoal com Cristo e uma entrega à obediência da fé...”
B)Outra Igreja foi a IMB(Igreja Metodista do Brasil) que promulgou, em  julho de 1960, por ocasião do  VIII CONCÍLIO GERAL o seu CREDO SOCIAL no qual apresentou as linhas pastorais e missionárias afirmando que “neste momento histórico por que passa a pátria brasileira, a Igreja Metodista do Brasilreafirma sua posição tradicional, como guardiã das liberdades humanas e da ordem social e econômica, de acordo com os princípios cristãos.”O Credo trata, especialmente da Ordem  Política –Social e Econômica e dos Males Sociais.
C) OS BATISTAS BRASILEIROS também se despertaram através do “MANIFESTO DA ORDEM DOS MINISTROS BATISTAS DO BRASIL”. Sobre esse MANIFESTOescreveu o pastor batista Hélcio da Silva Lessa, um dos signatários: “ como resultado de uma memorável reunião de Pastores realizada na cidade de Vitória, em 1963, ao ensejo da Assembleia Convencional, quando mais de duzentos ministros, inspirados nas referências  que então foram feitas à realidade brasileira, unanimemente, determinaram comunicar à Denominação e ao povo brasileiro a sua preocupação com os problemas nacionais.”O “MANIFESTO” foi assinado pelos nove membros da referida Ordem dos Pastores e termina assim, desafiando a todos os batistas brasileiros:  “E, corajosamente, desfraldemos, em nome do Cristo, a bandeira da redenção total da criatura. Da redenção temporal e eterna do povo brasileiro!”
D) IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL(IPB). Antes da CONFERÊNCIA DO NORDESTE, reuniu-se, em Julho de 1962, o Supremo Concílio da IPB, na sede da Catedral Presbiteriana, na Rua Silva Jardim, 23, no centro do Rio de Janeiro contando com a presença de representantes de presbitérios de todas as regiões do Brasil. Um dos presbitérios, localizado no sertão baiano, o Presbitério de Campo Formoso, (cujo campo castigado pela seca não tinha nada de “formoso”), levou para esse conclave nacionaluma proposta para que aquela assembleia aprovasse e promulgasse um Credo Social que indicasse as diretrizes da Igreja para agir na situação problemática e critica da atual realidade brasileira. Essa proposta foi levada e defendida  por três membros do referido presbitério, os Reverendos Áureo Bispo dos Santos, Celso Loula Dourado e João Dias de Araújo. O plenário aprovou uma Comissão indicada pela Mesa Diretora da Assembléia para redigir, não um “Credo Social”, mas um “Pronunciamento Social”, que era a sugestão do presidente da Assembleia, Rev. José Borges dos Santos Jr. A pessoa mais influente nessa Comissão foi o Rev. Joaquim Beato, de Vitória,ES.  Depois de muitos debates sobre todos os assuntosapresentados pela Comissão, foi aprovado, pelo plenário o PRONUNCIAMENTO SOCIAL que começa explicando: “1) O imperativo que impõe à  Igrejade fazer pronunciamentos sobre questões sociais da atualidade nacional e internacional deriva de sua vocação profética de proclamadora testemunhado Reino e de suae fidelidade à Palavra de Deus. 2) Sua autoridade para pronunciar-se sobre essas questões em dada situação concreta deriva, porém, da disposição com que os cristãos participem, sincera e sacrificialmente, da luta por uma ordem social em que expressem cada vez mais perfeitamente os postulados fundamentais da fé cristãsobre Deus, o homem, a sociedade, o Estado, e os sistemas ideológicos políticos, sociais e econômicos.” Após a instauração do Governo Militar, o “Pronunciamento” foi engavetado. Somente mais tarde, em 1978,a FENIP(Federação Nacional de Igrejas Presbiterianas), que foi o começo da IPU(Igreja Presbiteriana Unida do Brasil),adotou  o mesmo “Pronunciamento”, como um dos seus documentos fundantes.
D)A CEB (CONFEDERAÇÃO EVANGÉLICA DO BRASIL)foi a responsável pelo despertar de 13 Igrejas Evangélicas e 04 Organizações Eclesiásticas quandoabriu a Década de  1960, de 16 a 21 de fevereiro, em São Paulo,SP,  realizando a 3ª REUNIÃO DE ESTUDOS do Setor de Responsabilidade Social da  Igreja, tratando do seguinte tema: “A PRESENÇA DA IGREJA  NA EVOLUÇÃO DA NACIONALIDADE, contando com a presença de 61 participantes. Antes dessa reunião a CEB realizou a 1ª REUNIÃO DE ESTUDOS, em 1955 sobre o tema: “A REESPONSABILIDADE SOCIAL DA IGREJA”;  e em  1957, efetuou a 2ª REUNIÃO DE ESTUDOS, com  o tema: “A IGREJA E AS RÁPIDAS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS DO BRASIL” Essas duas reuniões anteriores, na década de 1950, foram preparatórias para os dois eventos da Década de 1960., especialmente para o clímax desses Estudos que foi a realização da 4ª REUNIÃO DEESTUDOS, ou seja a “CONFERÊNCIA DO NORDESTE, de 22 a 29 de julho de 1962, na cidade do Recife,PE.que tratou tema: “CRISTO E O PROCESSOREVOLUCIONÁRIO BRASILEIRO”.Nessa célebre CONFERÊNCIA travou-se o maior diálogo dos protestantes brasileiros com a cultura do Brasil. Participaram dele: pastores, leigos, biblistas, teólogos, professores , estudantes, sociólogos, antropólogos, economistas, artistas, jornalistas, profissionais liberais e o povo, em geral.

 (texto apresentado na ocasião das comemorações dos 50 anos da Conferência do Nordeste, em Vitória - ES, gentilmente cedido pelo Rev. João Dias. Memórias que nos inspiram e desafiam...)

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